Vidas
Eu passei muito tempo
Mergulhado em incertezas
Buscando a receita, a fórmula,
Acerca de como, de fato,
Viver.
Eu passei muito tempo
Absorto em questionamentos
Estudando meticulosamente
O mundo ao meu redor
Atravessando os mares em euforia
E eu era então um jovem
Habitado por inseguranças.
Na minha obstinada busca
Eu vivi sem viver, amei sem amar,
E me deparei com o vazio.
O vazio que para todos chega;
Eu olhei dentro da sua boca escura
E em meu reflexo havia uma sombra,
No meu rosto, uma cicatriz antiga
Da qual eu próprio nunca soube
Eu escorreguei no limo das rochas
Tentando nadar através
Das águas de mim mesmo
E lutando com minha natureza
Fui levado pela correnteza do tempo
E eu era então um velho
Repleto de sabedorias
E entendimentos tardios
Com meus pés já cansados
Da grande estrada que percorri.
Eu fechei os olhos e pude ver
Pela segunda vez o vazio
Desta vez claro e calmo,
Em sua luz morna e branca
Que me carregou suavemente…
E eu era então uma criança
Nos braços de uma mãe
Que não era a minha
Subitamente a vida, que era uma outra
E sem saber para onde ir.
Pois quando eu supus
Que algo compreendia
Fui varrido como a areia
De uma ampulheta partida
Que contém somente o passado.
E sobrou-me senão um apanhado
De dizeres anacrônicos
E uma legião de vozes
(pois escrevendo já tive tantas)
Que narram mais um recomeço.
Mais um capítulo em branco,
O primeiro suspiro de um poema
Uma mansidão oceânica
Que sequer supõe
A tormenta que está por vir.
Eu cruzei impérios e milênios
Descobrindo a minha verdade
E quando enfim me aconcheguei
Na minha própria pele
E em tudo o que nela se encerra
Eu era então o tempo
Atravessante e atravessado
Pelas margens do pensamento;
Eu era senão um punhado
De versos lançados ao vento.