A escolhida
Do outro lado do rio
Há uma margem que chama
Vem de lá uma voz do invisível
Sentir místico e atônito
Atravessa-me o corpo como uma espada
Eu quero ver o que está lá.
Além do rio há escuridão
Mas só sinto luz,
Um feixe através de meus olhos - algo está me esperando lá
Se atravesso, preciso fé ter para estar
Do outro lado do rio
Fecho meus olhos e ouço uma música
Um cântico belo, elevado e afinado
E uma manta envolve-me o corpo
Flutuam meus pés e sob as águas ando
Logo sei que este rio é para mim
Uma espécie de milagre delicioso de pisar e sentir.
Ao outro lado encontro seres que se escondem
Atrás das árvores e folhagens
Por dentre as flores secas no chão
E nas pedrinhas brancas que lá estão.
Eu falo alto para que se saibam logo
Mas com cuidado para não as espantar:
Sou uma amiga, quero aqui mesmo estar!
Então ressurge de seus frágeis esconderijos
Belos seres de luz
Que jamais tinha lido ou visto em meu viver.
Uma delicada mistura de fadas com anjos
Belos corpos, pequenos e médios
Asas que cintilam e brilham
Olhos grandes e pés com três dedos
Nunca vi nada tão belo e estranho.
Eu percebo que não fui eu quem escolheu ali estar
E sim que escolhida fui
A atravessar.
Mas então elas pegam-me
Uma a cada extremidade e pontas
De meu vestido, levantam-me e conduzem-me
Lentamente e próximo ao chão
Como uma belíssima procissão
De um santo ou algo adorado e importante.
No caminho os animais desse bosque
Se despertam aos poucos
E logo surgem coelhos, lebres, gazelas, onças, tatus
Todos eles seguindo o caminho iluminado
Que se abre quando passo carregada por estes seres
É como se eles me estimassem
É como se eles me amassem
E logo eu me emociono
Pois nunca isso senti...cuidado assim?
E então chego a um local aberto
Como uma festa toda pronta
As lágrimas se secam de meu rosto
E sento num trono de pedra feito pra mim
Ramos surgem do solo e agarram meu corpo
Logo os seres e animais mudam
Suas feições não são amigáveis
Há garras em suas mãos e pés
E a música vira um silêncio
Com o ruído apenas do rio a correr.
Uma voz se ergue da escuridão:
"Oh, como sacrifício vivo e posto
Aqui está, natureza, mais uma alma
Humana, inebriada e encantada
De não livre está espantada
A celebrar-te a ti
Que casa és de todos
Mas de ninguém respeitada.
Aqui ofereço um presente
Esta curiosa e escolhida oferenda
Acredite, é como se fossem todos de sua espécie, aqui
Um a um traremos por vez, a ti".
E então este foi meu doloroso e belo fim.