inescrutável
o rio manso de luz
corre perene entre
as pedras de cristais (mas é sonho
não é o quintal da minha casa)
rio e não rio de assombro,
as asas dos anjos varrem os
anos, e das privações antigas,
sopro as portas da morte,
num abismo de cores e desejo,
me fascina, me chama, mas
a repulsa se inclina sobre
as palmas dos coqueiros, luz
e escuridão se entranham como
se numa fruta gostosa de tão
podre, a cobra se engole, mas
não desaparece, apenas se aglutina
com a fome de desaparecer, amor,
dor, a agonia que antecipa a teogonia;
bebo do assoalho da terra, a vida
sangra, mas sangrando é ainda
mais viva, é nessa morte que
acordo do sono os postes de
látex que alumia as estradas,
barrancos, platibandas, mesa,
cadeira, teus braços me tomando
o coração, solidão, verdade
seja dita, eu morro, e morrendo,
me torno a estrada mais larga,
o caldo mais profundo, a parte
funda da cruz, o obscuro soldado
a não saber que está em guerra.
lembro da porta, das janelas, das
venezianas, tudo por onde um fiapo
de luz possa se insinuar,
um sopro me põe a saber de mim mesmo,
que já não é o mesmo, mas esse poema
que escrevo.