já nem me sei
já não me sei homem,
já não me sei mulher
já não me sei santo
nem satanás, mas seguramente
me sei pedra, árvores, um
rio a se perder e se achar
em busca de algum mar que lhe
caiba sem orgulho, já nem,
me sei andante, ou pedregulho
encrustrado na carne, apesar
de ver o jorro de sangue, a linfa
a vazar por entre os dentes, já
nem sei, já nem sou mesmo sendo,
a viagem é longa e vou me fazendo
e refazendo, os dias se repetem
e o tédio é um amigo dos mais camaradas,
o inferno mora ao lado
e o céu me escapa como um peixe
esperto, ando, paro, ando de
novo e nem uma ninfa a me consolar
nessa noite fria, no entanto,
no peito me arde a esperança,
pois tudo isso é vida que não
foi vivida, é vida em estado
de espera, abro a janela e vejo
a rua, as crianças brincando,
inocentes, não sabem desse outro
lado das coisas que só os despejos
irão lhe mostrar, mas pra elas
nada disso importa, somente
as patas de um amor que lhes
esperam em casa