Há uma mulher estranha sentada na sala de estar.
Diz, impertubável, que de muito me conhece
Que sabe muito bem quem sou (e quem não sou.).
Aponta-me terríveis defeitos
Fitando-me com espanto de cientista 
Ao devassar a intimidade dos micróbios.

E segue a contar sobre festas, casamentos...
Afirma-se minha mulher perante Deus (em quem não creio)
E diante das nações e dos homens (em que creio menos ainda.).

Profetiza vulgaridades sem estofo, tentando vencer
A encrenca fenomenal de ter se unido a mim...
(Penso em cores divergentes)
misturando insólita confusão de ansiedades
(Indignas telas em indignos museus).


Há um fardo de longos cabelos negros que carrego
(Embora em tese seja livre para desertar.)
Que continua na sala de estar, arremedo de pesadelo
gerado em algum streaming malfadado...

Deus seja louvado! (pois então...)

Nada vê e nem escuta, desligada a televisão.

Pois então que venha terapia, a confissão
No divã de um arrogante semideus pretensioso
A quem direi só mentiras, terrivelmente verdadeiras...

A mulher estranha me segue e amanhã fará presença
Em meu desespero ingente por uma história diferente
Que ela cuida de pré apagar, diligente e com carinho
Para, só então, de mim cuidar docemente...
Sem ver que faz tempo quedo morto e descontente.