homem-bicho

larguei de ser bicho homem

tão cru, insano, brabo

grosso, estúpido, ríspido

covarde e tonto

um débil, um imbecil

tão insistentemente igual

a tantos outros homens

larguei de ser esse bicho

e compus uma prece

com o pulsar das estrelas

ela tem as cores ardentes de Deus

que pulsa em mim

em sincronia com o outro

como extensão do universo!

larguei de ser bicho homem

e me tornei um homem forte

pela força da virilidade

tostada pelo calor do meu coração!

me tornei um novo homem

e larguei de ser bicho

e compus uma poema tingido

com o perfume das flores das estradas

por onde ando, deixando meus rastros

firmes, fortes e férteis

fruto do abandono da minha condição - coerção

ilusão persistente e tão permanente

de ser bicho soberbo e amargo

então refiz minhas cantigas e melodias

afinadas com os cânticos dos passarinhos

que sem saber me visitam - sempre!

hoje, homem sem vínculos como nos naufrágios

que na agonia de viver - eu sobrevivi

antes cego, surdo, mudo e rude

aos instantes belos e raros,

como as efêmeras flores raras

a colorir meus ares

e meus lugares!

hoje, eu rio de tudo!

riso raro que estremece por dentro de mim

do gozo de viver,

de respirar as cores de um novo mundo

irrigado pela amplidão da beleza

de ser outro homem

hoje eu me comovo e me entusiasmo

com a lágrima que grita em meu rosto:

reluzente, potente e viçosa

a iluminar a profundeza da minha alegria

de ser novo

com a euforia em ser

- aprendiz com as sutilezas

das coisas breves, leves e raras

como o cotidiano que agora se desvela

com a rebeldia efervescente

da poética que se traduz

com os fios dóceis do tempo

eu teço a vida como uma oração

das entranhas dessa existência

sem cheiro bolorento e sem a frieza de igrejas e templos carcomidas

por egos de plantão

por isso eu rego a vida como uma reza

com a força dessa acesa permanência

sem pastores, sem padres e seus horrores

mas feita com as digitais de minha alma

como um exercício pleno, sereno

de voo raro

e de singular

boniteza!

19062021

Raimundo Carvalho
Enviado por Raimundo Carvalho em 20/06/2021
Reeditado em 09/07/2021
Código do texto: T7283338
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