pontos pretos.

eu vejo pontos pretos em paredes brancas, sempre vi

me lembro de quando era mais nova e fui ao médico por conta disso

ele disse que podia vê-los também se iluminasse o suficiente

foi a primeira vez que alguém me mostrou que eu não estava louca

mas eles vão ficar aí pra sempre, ele disse

não há nada que possa ser feito

e assim eu aprendi a viver com eles.

quando eu fui diagnosticada com transtorno afetivo bipolar e transtorno de personalidade borderline no mesmo dia

eu me lembro de pensar que queria ser menos vista naquele dia

queria que minhas cores verdadeiras fossem um pouco menos brilhantes

ou mais

eu queria me esconder

eu queria que apagassem as luzes para que ninguém pudesse me ver melhor

ter uma doença mental é como estar numa sala completamente cheia e não ver ninguém

ou então ver todo mundo vindo na sua direção ao mesmo tempo

é encarar a lâmina toda vez que você vai ao banheiro

bem me quer

mal me quer

é não se machucar porque você tem vergonha

porque é trabalhoso esconder

e não porque vai contra toda fibra do seu ser

e não porque é suposto que você não queira se machucar, é suposto que você queira se proteger

ter uma doença mental é chorar com um comercial, de vez em quando

mas manter seus olhos secos no funeral de alguém que você ama porque naquele dia você não conseguiu sentir nada

ter uma doença mental

é igual o ponto preto diante dos meus olhos

se eu não encaro a parede branca

se eu não fixo o meu olhar

eu posso não percebê-lo tanto

mas está sempre ali

está sempre ali.

Lenice Shymidt
Enviado por Lenice Shymidt em 17/06/2021
Código do texto: T7281030
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