Miragem
À noite, quando me deito,
pensamentos vagabundos trazem
você por inteiro, ao meu leito
e por aqui mesmo, eles jazem.
Você me aparece por inteiro
sem corpo físico, como deve ser;
para depositar-se em meu tinteiro
e escrever-me para me ter.
Sua pena longa e espessa
desenha arabescos ao longo de mim:
arcos, linhas, pontos, vazados atravessa
e obriga a minha boca a dizer sim.
Sua tinta viscosa, indelével, bege
como marfim, traceja por onde quer,
não pode desenhar um coração, protege
pensamentos e sentimentos, como puder.
As marcas do traçado permanecem
ao longo de dias e noites, a fio;
visões e sensações nunca fenecem,
porque na miragem tudo se dá a frio.