O CULPADO

Minha sombra persegue meus passos

e imediatamente se intercalam

de modo que não sei quem pisa quem.

Insistente a mim ouço seu crepitar,

um ranger de portas respirando

o espaço vago entre a escuridão

e o passo, lentamente vagando...

Pensamentos perpassam a vastidão

enquanto meu corpo segue marchando,

não os identifico, são o suor da pele,

piscares de olhos, batidas do coração,

tão mecânicos que nem os percebo

impossível que eu o saiba sê-los...

Na minha direção caminha a passagem,

no seu turbilhão o tempo e a paisagem

de semáforos cortados de carros,

ruas apertadas, gente espreitada,

embalagens pisoteadas, pessoas

vendendo água, paradas de ônibus,

sujeitos que nunca estão...

Eu sou um ponto ofuscado por edifícios,

minha voz se perde no estômago da cidade,

sou um amontoado de números no crachá,

quando o tenho, senão, sou só mais solidão

na multidão de desempregados, sonho varrido

pra debaixo do asfalto, um homem seduzido

e depois roubado, maltratado, iludido...

A cidade é assim, quisera eu olhar das nuvens

e mitigar a incerteza do mundo:

mal tenho olhos no aqui, mal percebo o agora

e sucede que o pouco que compreendo

é para comprar comida, bebida e cigarros...

Reúno com meus amigos, bebemos e conversamos,

na medida em que brindo e a garrafa seca

algo de mim cessa e o álcool, com pressa,

vai encerrando meu expediente, a aguardente

opera seu frágil milagre e neste momento,

até que eu cruze a linha tênue, sou parte...

Quando eu cruzo percebo o que permanece,

desligado da mecânica cotidiana de mim

resto com tudo que é forte, inerte

na sombra dos passos que dei até aqui,

tudo que menti de desimportante,

o que esqueci, hipócrita que sou,

nunca me deixa, jamais me esquece...

Penso que o vazio não existe,

ele é só todas as vozes de sentimentos

que se entrelaçam indistinguíveis em conflito

se agarrando ao peito com urgentes delitos,

nessa hora estou em confissão

e este imenso abismo é meu padre...

Sinto culpa, dos erros que cometi,

dos que eu assumi, dos que sequer distingo,

eu poderia confessar tudo que quisessem

e, de fato, eu seria culpado, minhas falhas,

meus equívocos são algas nas trevas do mar,

ao atravessarem oxigênio para a superfície

não se supõe a origem e me enveneno

da culpa do que produzo e sou...

Culpa do que perdi, embora nunca tenha sido meu,

culpa do que afastei, embora não tenha se afastado,

culpa do que comi no café da manhã,

eu pisoteei o girassol, turvei a lua,

esmaguei espaços celestes

e tudo antes dos 30 anos de idade...

Depois sinto solidão, culpa da alma;

Depois carência, culpa do corpo;

Depois pequeneza, culpa da mente.

Me debato diante dessa opressão

os punhos gemendo em desespero,

em vão tento despertar meu batalhão,

minha milícia dos medos, todos incertos

vagando, indefesos, no apagão...

Numa última tentativa de defesa

me disperso em muitas partes,

para que ninguém possa juntá-las

e ver, no mosaico, como realmente sou,

ainda que ninguém possa realmente se ver

ou reconhecer o outro, tudo camuflagem,

somos treinados para seletamente ignorar

e ser felizes com as imagens que criamos

das pessoas que escolhemos gostar...

Basta que abra os olhos: o que me escapou?

Nada que nunca tenha escapado, vez ou outra,

nada que não se apague da lousa,

o que de fato, na hora, se pensou?

Que uma vez em liberdade iriam ouvir teu socorro?

Ó as ideias! Às vezes, me surpreendo,

o que esconde a escuridão dos meus passos...

Diego Duarte
Enviado por Diego Duarte em 25/05/2021
Código do texto: T7263515
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