Abraço de luz
Ele estava ali há tanto tempo
Naquele banco, naquela praça
E de tanto estar lá
Tornara-se quase invisível
Um monumento ali erguido
Ou, quiçá, uma simples árvore.
Mas ele tinha nome e sobrenome
Com certeza não era grande vulto
Mas certamente era alguém
Ao menos até onde ele se recordava.
Nele, havia uma história
Havia sonhos
Havia marcas
Havia caminhos abandonados
Havia rostos esquecidos.
E ali ele sempre ficava
Recordava da família
Que não se importava
E também da fome
Que o assolava.
Uma esmola aqui
Uma pedra ali
Uma surra acolá
Mas o amor...
Este jamais.
Ele vivia em profundas trevas
Por dentro e por fora.
Mas quem se importava?
Definitivamente
Ele se achava nada.
Naquela manhã de domingo
Tantas pessoas iam e vinham
Apressadas, religiosas, ocupadas
O sol brilhava, os pássaros cantavam
E ele, em sua profunda escuridão
Agonizava.
De repente, oh Deus
Uma criança, tão miúda, tão inocente
Soltou-se das mãos dos pais
Como toda criança às vezes faz
E lançou-se para a rua
Tão rápido, tão inesperado!
Gritos!
A criança foi puxada a tempo
Livrada do atropelamento
Do carro que vinha veloz.
Ele, outrora estátua
Tinha vida por dentro
Fez o que deveria ter feito
Salvou o pequeno.
No longo abraço agradecido dos pais
Sentiu a luz o invadir por dentro
Sentiu a centelha amor
Sentiu o corpo vibrar
A alma ferver...
E ali, naquele banco
Daquela praça
Ele não está mais
Seguiu o seu carinho.
E a escuridão...
Esta ficou para trás.
Este poema faz parte do meu novo livro MEMÓRIAS DO VENTO. Todos os direitos reservados. Lei 9.610/98