Afogamento

Chegou na beira do rio

Foi recebido pela turma em festa

Uns tropeçando na própria sombra

Outros tropeçando nas próprias línguas.

Farra boa e sem frescura

Carne assando no chão

Menino nadando, mulher pescando.

O forró mais alto era o mais animado

Ou o “Diga se te deixei faltar comida”

Era coro entoado.

O homem foi caminhando

Queria ver tudo de perto

Não sabia que chiado era aquele

De que rádio velho estava vindo a ranhura.

Deu uma volta pela areia branca

Cheirou a fumaça do cigarrinho do capeta

Sorveu um gole da cana mais amarga

Beliscou um nervo de boi mal passado.

Sentou-se na pedra, embaixo da sombra

Onde um passarinho fez ninho

Onde uma cobra escondida espreitava.

Escutou o chiado do rádio

Não era rádio, era o ronco de um homem

Dormindo, embriagado.

Enquanto observava a paisagem

Comprometida por restos e sobras

Viu que a menina se afogava

Ninguém notava

Ninguém estava olhando.

Foi até ela e a puxou pelos cabelos

Era raso, ela era pequena.

Mas o rio traiçoeiro já havia levado

Corpos de muitas meninas

Em seu corpo mole e sem cabelos.

Então o homem deslocado

Compreendeu a que veio

Veio socorrer uma menina

Que morreria hoje

Se ele não tivesse vindo

Para uma farra que não era dele.

Não foi aplaudido como heroi

Não foi aclamado como salvador

Foi embora silencioso e invisível

Mas a menina jamais esqueceu

Aquele gesto de amor.

P.S.: Sou a menina.

Cyntia Pinheiro
Enviado por Cyntia Pinheiro em 25/04/2021
Reeditado em 25/04/2021
Código do texto: T7241080
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