Afogamento
Chegou na beira do rio
Foi recebido pela turma em festa
Uns tropeçando na própria sombra
Outros tropeçando nas próprias línguas.
Farra boa e sem frescura
Carne assando no chão
Menino nadando, mulher pescando.
O forró mais alto era o mais animado
Ou o “Diga se te deixei faltar comida”
Era coro entoado.
O homem foi caminhando
Queria ver tudo de perto
Não sabia que chiado era aquele
De que rádio velho estava vindo a ranhura.
Deu uma volta pela areia branca
Cheirou a fumaça do cigarrinho do capeta
Sorveu um gole da cana mais amarga
Beliscou um nervo de boi mal passado.
Sentou-se na pedra, embaixo da sombra
Onde um passarinho fez ninho
Onde uma cobra escondida espreitava.
Escutou o chiado do rádio
Não era rádio, era o ronco de um homem
Dormindo, embriagado.
Enquanto observava a paisagem
Comprometida por restos e sobras
Viu que a menina se afogava
Ninguém notava
Ninguém estava olhando.
Foi até ela e a puxou pelos cabelos
Era raso, ela era pequena.
Mas o rio traiçoeiro já havia levado
Corpos de muitas meninas
Em seu corpo mole e sem cabelos.
Então o homem deslocado
Compreendeu a que veio
Veio socorrer uma menina
Que morreria hoje
Se ele não tivesse vindo
Para uma farra que não era dele.
Não foi aplaudido como heroi
Não foi aclamado como salvador
Foi embora silencioso e invisível
Mas a menina jamais esqueceu
Aquele gesto de amor.
P.S.: Sou a menina.