FALO DOS PASSOS
Falo dos passos.
Daqueles passos rítmicos
que ecoam na noite,
e acrescentam mistérios
aos outros sons mais difusos da cidade...
Chegam pela janela,
e atingem-me lentamente,
como suaves toques
no limiar da minha consciência
quase adormecida,
trazendo-me de volta
o frisson da mente alerta.
Aos poucos,
Todos os demais ruídos
se esbatem e misturam,
num nível abstrato
que soa mais baixo,
como um acompanhamento
para essa melodia principal
em primeiro plano,
feita de passos e movimento,
idas e vindas, e ritmos e acasos,
paragens, recomeços,
quais pinceladas rapidamente pintadas
nesse quadro de uma noite,
nesta noite que não durmo...
De quem se trata?
Para onde irá?
São pesados, e firmes, certos.
Cadenciados.
Sumindo num rumo
de quem sabe onde vai.
Não têm sexo, nem idade,
são apenas passos passantes,
sem identidade...
Outros passos chegam até mim,
miúdos, curtos e rápidos,
trazendo com eles uma memória anterior,
de porta de prédio fechando-se
em sons metálicos.
È uma mulher, caminhando,
em saltos altos
e passos hesitantes.
Quando pára, o silêncio que fica
revela outros passos,
em sons mais baixos,
que acabam parando, também.
É um encontro
que termina pouco depois,
em passos que se afastam
e, novamente,
em sons metálicos de porta
que se abre e fecha...
Fico ainda mais desperto,
e capto os sons de outros passos ainda,
chegando pesadamente, acompanhados
de um leve tinir agudo,
que acontece de tempos a tempos...
talvez da campainha de uma bicicleta
que alguém traz pela mão,
vibrando aos ritmos do calçamento...
Depois, outros passos vão passando,
uns mais anônimos que outros,
misturados aos ruídos que conheço bem,
na vida do bairro.
Das janelas que se abrem e fecham,
carros que chegam tarde,
chaves tilintando, cachorros,
alguns galos desorientados, ao longe,
e, por todo o lado, a vida
em pulsação reduzida...
até que escuto, mais longe ainda
as vozes típicas da madrugada,
trazendo-me um começo de dia
que não quero acontecido,
sonolento, estafado...
Novembro, 2007