Verdade Fictícia
A dor da sede secou,
A dor da fome cortou,
A dor, que o ar entubou,
A dor, para o outro passou.
Tua dor também é minha,
E quase me leva a loucura,
Minhas mãos estão atadas,
Minha voz tá quase muda.
Minha mente ainda arde,
Minha alma se tortura,
Fogo queima, tudo invade,
Morte confundida com cura.
Água benta “pros” pecados,
Para ausência, pinga pura,
Água ardente desinfeta,
Tanto bebe até que fura.
Os meninos estão descalços,
Asfalto, preto gramado da rua,
As meninas reservadas,
Fitam o machismo criando cultura.
Uma mucama sem casa,
Senhores deuses, escravatura,
Aquela que serve comida no prato,
Sinhozinho a deseja de mistura.
A peste que a tudo mata,
Na tua igreja não há cura,
Deuses não fazem serenata,
Se recolha à sepultura.
Enche o copo de cerveja,
“Outra rodada aqui pra mesa”,
Bebe e esquece as tristezas,
Ébrio desejo, quer nobreza.
Toada destoa canto fúnebre,
Nem todo escuro é negrume,
Quem brilha no céu é vaga-lume,
Zumbi mais presente do que de costume.
Turva visão,
Não quer esmola,
Pede um pão,
Fome que a fé não sacia,
Sede que a falta recria,
Mesa “anda” sempre vazia,
Rua com as noites frias,
Almas, que o corpo agoniza.
Oxalá, asé aos umbandistas,
Como “assim seja” aos kardecistas,
Religião afronta a teoria,
Deuses, somos cientistas!
Fé que a ciência não valida,
Ciência que dá fé duvida,
Duvida que em mentira acredita,
Mentira, uma verdade fictícia.