ESCURIDÃO (adaptação do poema Darkness, de George Gordon - Lord - Byron)

Sonhei e não era propriamente um sonho.

O sol se apagara, as estrelas vagavam opacas no espaço eterno.

(Perdidas, não cintilavam mais)

A Terra, gélida e cega, oscilava obscura no firmamento sem luar;

Lampejos abriam as trevas, mas o dia não retornava.

Apavorados seres humanos abandonavam suas paixões.

Naquela devastação e percorridos por calafrios, desunidos corações,

– em egoística prece – clamavam pela claridade.

Súditos e reis ocupavam o mesmo lugar,

Palácios e choupanas crepitavam em imensa fogueira;

Cidades inteiras foram destruídas.

Ao redor de suas moradas em chamas, os homens se entreolhavam.

(Ah, viver no interior das crateras dos vulcões!)

O mundo em convulsão;

Florestas abrasavam em trincados e estrondos de troncos.

(No infinito, o negrume.)

Cadáveres brotavam na superfície,

Relâmpagos cortavam o tétrico cenário.

Alguns ocultavam os olhos horrorizados, em pranto;

Alguns apoiavam o queixo nas mãos, num esgar patético,

Outros andavam numa e noutra direção ateando fogo ao monturo funéreo;

Sondavam, enlouquecidos e inquietos e céu abafado, mortalha de um mundo perdido;

Esbravejavam, lançavam-se ao chão, rangiam os dentes, urravam.

Aves selvagens guinchavam aterrorizadas batendo, em vão, as asas.

(Até caírem por terra).

As mais horrendas feras aproximavam-se – mansas, trêmulas;

Víboras rastejavam multiplicando-se em meio à multidão

– desprovidas de chocalhos, assobiavam mortas de fome.

A Guerra findou, saciada em melancólico banquete sangrento.

Amantes não tiveram a chance da despedida.

A Terra era um só pensamento: a iminente e inglória Morte,

Apascentando-se das vísceras humanas.

Defuntos em ossos e carnes insepultos.

A voragem miserável obrigava até os cães a devorarem seus donos.

Exceto um, fielmente atado à coleira – latindo, protegia

Pássaros, feras e homens desesperados.

Habituar-se-iam à penúria,

Ou a Morte os subjugaria com suas poderosas mandíbulas.

O cão tentou encontrar alimento.

Num lamento, lúgubre, infindável,

Chorando, solitário, lambia a mão do dono, inerte e indiferente ao afago.

Duas cidades sobreviveram.

A contenda se deu junto às brasas do altar.

Objetos sagrados eram profanados.

Legiões de cadáveres lutavam na penumbra,

Erguendo as esqueléticas e frias garras.

Montes de cinzas impelidas no sopro derradeiro

(burlesca imitação da vida).

Olhos desorbitados sobressaíam à pálida luz restante.

Figuras hediondas guinchavam e sucumbiam irmanadas.

Irreconhecíveis semblantes esculpidos pelo demônio.

O mundo – um vácuo –

Tão somente solidão. E a massa informe.

Primavera não, nem outono ou inverno; nem verão...

Ausência de árvores, de pessoas, de vida.

A Morte – caos da horripilante argila humana.

Restaram os oceanos, os rios, os lagos em cujas profundezas

Os navios apodreciam, os mastros despencando em pedaços.

Jaziam para sempre no abismo sem ondas.

A lua amante e amada, exalara antes.

Os ventos secaram no ar estagnado,

As nuvens pereceram.

Escuridão absoluta.

Trevas.

16 de março de 2006