NOITE (dedicado à Lila, minha sobrinha)

Não é verdade que à noite todos os gatos são pardos.

Não é verdade que a noite é uma criança.

À noite as tristezas saem a passeio.

Os fantasmas se escoram frios nos cantos dos quartos.

Os morcegos esvoaçam nas torres das igrejas.

As consciências fazem exame de ressonância magnética.

A noite, namorada da solidão, congela

bêbados, mendigos e marginais.

A madrugada tem calçadas urinadas

e meninas prostituindo-se.

Príncipes encantados e executivos transformados

em maníacos.

Os homens viram pelo avesso.

A lua desperta lobisomens

e mulas-sem-cabeça.

A noite não nasce, não raia, não surge.

A noite desce.

As flores choram.

As gatas miam no cio sob o olhar redondo das corujas.

A noite é uma velha invejosa

da eterna juventude

das manhãs.

27 de junho de 2006