Mastigo gotas de suor

Quando os vícios nos abandonam, vangloriamo-nos com a crença de que somos nós a abandoná-los.

François de La Rochefoucauld

Mastigo gotas de suor, que caem da fronte do mendigo.

Bebo lágrimas leprosas dos olhos de anjos caídos.

Vejo escândalos: presente, futuro e olvido.

Entorna, em torno a mim, a vida como um balde d’água…

Derramado, meu coração apodrecido nos peitos da puta

Que me rejeitou, que me cuspiu no rosto, que me rasgou o dinheiro…

Meu coração é um pecado de abandono, um devasso, um bandido.

Meu desejo: náufrago que se afogou. Ressuscitado, morto-vivo,

Devora-me as entranhas… Patranha! Ator que sou, minto eu mesmo

Em modos mil, a esmo; escamotagem vil. Na vila em que nasci

Só tem piranha e eu, tão moço e tão viril, que, cheio de vergonha,

Volto cabisbaixo e sem um soldo para dar à puta que pariu

Os assassinos de meu pai, por todas detestado, sem amante e sem mãe,

Escoro meu corpo em frangalhos no umbral da casa velha, em Mariana.

Cidade tão pouco minha, porque mulher. Quero São Paulo, quero o Porto!,

A virilidade geográfica do que não eleva. Pro inferno c’o Eterno Feminino!

Eu canto a avareza do homem só, do sátiro sem desejo ou dor ou graça,

Do infinito em colapso no grão de areia.

De novo volta à cena aquele espectro que m’assombra: “vingança!”,

Grita ele e o seu grito cansa os meus ouvidos, meu sexo, minha ânsia

De caçar no bolso uma palavra que lhe cale e que caia

Como uma luva em mãos do violador.

Exangüe e derrotado, caminho pelo mundo cortando um dobrado,

Sangrando em cada esquina, vexado da vileza que humilha a linhagem

Que não tive e que não tenho. E não terei, ainda que abandone este

Sonho inútil que guardei no peito para dar qual prenda ao rapaz eleito

Que talvez com um beijo me despertará…

Do sono dos covardes, dos infames, dos que na vida nada têm e tudo roubam;

Dos que na alma tudo têm e são roubados; dos velhacos, dos enfermos,

Dos canalhas que se deitam co’as cunhadas, dos vadios que se deitam co’as viúvas.

Enquanto nós, megeramente esparramados no sofá, trocamos rios

De saliva bem sebosa, que é seiva boa pra nutrir os bacanais.

Mastigo gotas de suor, que caem da fronte do rei.