DEMÊNCIA
Memória em múrmuros inexpressivos,
Seu dialeto de espuma mal coerindo
Qual breve ponte entre mortos e vivos
Em promessas de engano, previsível,
Trilhas de barcos de antigos naufrágios
Ou o reflexo da lua desdenhosa.
Entenderemos hoje tais caprichos?
Renovará seus votos sob aplausos
Dos improváveis deuses de seu tédio
Mal notando as ausências por detalhe.
Há máscaras chegando, outras partindo
Desse convés de conveniência e dor.
Amou sua hora extrema, suas armas,
Brasão de sua indigna permanência
A reviver uns dramas por herança.
Lá fora passos, vento e a algaravia
Alegre duma multidão sem rosto
Pelas certezas doutro dia anônimo.
Há no horizonte a insinuação do fogo
E o sangue dum desejo que agoniza.
Demência tem três filhos que não voltam
Da manhã que partiu, dum porto em ruínas,
Habita a solidão das horas nuas
Como que a submergir num sonho estúpido.
Tomará seu café sem qualquer pressa
Pois basta-se a si mesma feito o mar,
Avaro mar, não há para onde ir,
Encerra em si os destinos todos, dura
Um périplo de sustos melancólico
Nos lúdicos roteiros de seus brios.
Dos ventos que retornam de esquecer,
A história de seus lapsos regressivos
Fará sentido uma vez mais, o trágico,
O patético e o que a defina agora.
Um corpo aliciado pelo verme
Impaciente, faminto, e... que banquete!
Alguém cuidando dos preparativos
Após a troca de seus curativos
Verá resignação, virtude heróica
E paz onde há um relógio que morreu.
'Encontraremos esperança à sombra,
À míngua de atenções, pois o amanhã
Quer tudo muito justo a qualquer custo'
Grasnava a bêbada gaivota, em vão...
A razão à deriva por detalhe
Que se perde, quais chaves, quais as datas
Num calendário que não faz sentido.
Dirão que tudo tem o seu propósito,
Sim, como se soubessem, e entre risos
Seu desespero mais persuasivo.
.