A MINHA PRIMEIRA MORTE

José António Gonçalves

a minha primeira morte

ocorreu numa manhã

de Setembro

com um maracujazeiro

dormitava minha avó no quintal

recolhida numa cadeira de vimes

quando dei surpreso

pela triste aparição

corri para os braços de minha mãe

com uma enorme dor no coração

e a voz trémula e presa

sufocada de incredulidade

a planta estava cortada à faca

e amarelecera caída sobre a terra nua

beijada pelo roxo dos maracujás

murchos pela sede e pelo sol

nunca soube do milagre que a mãe fez

mas apenas uns dias chuvosos depois

na promessa de Novembro

na latada frondosa se mostravam

os maracujás vivos outra vez

a partir daí convenci-me de que só as mães

são capazes do mistério de provocar a vida

onde a morte possa ter deixado

a sombra do seu manto

e olhando para a minha mãe serena

costurando uma blusa branca de algodão

cogitava nos seus poderes de ressurreição

e nunca mais fui capaz de calar

a maravilha desse instante

ainda com um aperto na voz

para esconder a água do pranto

JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES

(inédito.16.08.04)

JAG
Enviado por JAG em 14/11/2005
Código do texto: T71551