MEU LADO OCULTO
Meu lado mulher é arteiro, falante, arruaceiro,
adora entornar o caldo, encurralar a verdade,
sacudir as fuligens da sobriedade, do talvez,
se fazer menina-moça sem as rédeas do porquê.
Meu lado mulher pouco se aquieta, pouco recua,
tem ares de perdiz gotejada pelo suor da folia,
tem vãos desencardidos, rebeldes, tantos,
incorpora todo meu passado, desnudo e fugaz,
Esse lado que tanto repeli outrora,
que tanto chutei de mim, de tudo,
que tanto esgarcei supondo acariciá-lo,
que tanto deserdei pensando acudi-lo.
Mas o tempo se destrona no viés do chão,
faz valer seu gingado quando tencionamos domá-lo,
faz aquecer seu sangue quando a dor apura,
faz desatrelar seu reino quando o suor escorre.
Então este lado de mim se agrupa, se decanta,
deixa os acordes soarem seu trotar agudo,
deixa o amor avançar nos porres amargos,
deixa o senão desanuviar minhas vértebras tortas,
deixa a cicatriz abençoar cada teco do meu vão.
Daí, puído e rendido, assumo o legado, o fio de luz,
faço respingar pro nada o que supus afortunado,
faço ressoar cada pousar atroz, cada nódulo avesso,
faço desparafusar de mim as asas aflitas, as mechas surradas,
faço entronar as querelas descabidas desse meu solitário ser.
Assim, quando a guerra descansa, e a tormenta repousa,
nos tempos rendidos que já não festejam mais,
deponho as rimas, os colchetes, os arremates traidores,
esvoaço de mim cada voz estatelada, desesperada,
deixo o céu se refastelar menos surrado, menos réu,
daí o que poderia ser couraça se faz algodão,
o que poderia ser tempero se diz fiança,
o que poderia ser sultão se põe Deus.