Ja é tarde
Do que me importa, que não chova no inverno?
ou que eu já não possa
segurar a tua mão
enquanto o mundo cai.
Olhe para o céu, meu bem.
A queda é uma questão de perspectiva,
tudo depende de onde está o chão.
No meu caso, acho que estou sempre caindo
não importa a direção.
Desde que você se foi,
não tem um dia em que eu não tenha pensado
nas cartas que deixei de te escrever
por não querer desperdiçar as letras,
que eu sabia
que você não se daria
o trabalho de ler.
Mas algo em mim
insiste em lembrar
De quando nos unimos
pela primeira vez.
Do assombro
da familiaridade,
na falta de ar
após o gozo.
Talvez eu pudesse ter sido feliz,
dentro daquele sentimento
Talvez eu pudesse ter vivido
mais de uma vida
dentro daquele momento
dentro da tua carne
ao redor de tua pele
gravado, eternizado,
como uma cicatriz.
Mas é normal
que eu pense nos detalhes
e esqueça todo o resto
o geral
o real
as brigas
o sorriso que você fingiu,
antes de ir embora.
O que eu poderia fazer?
Me virar do avesso?
mandar o meu mundo pelos ares?
beber até cair?
Eu não tenho constituição,
meu amor,
para me esvair
em outros corpos,
e esperar até o fim, antes do parto.
Eu sinto, eu sou metade
de um inteiro incompleto.
talvez, enfim
eu seja até menos de um quarto.
E a sala segue vazia
enquanto a pia
permanece cheia
de pratos, e de lembranças
que insisto em não lavar.
Mas e você? Talvez não haja nada
que você goste de lembrar
sobre nós dois,
uma hora dessas,
da história.
Tanto faz, meu amor.
foda-se o verão,
a minha memória,
e a porta,
que sempre deixo aberta
Foda-se o destino
fodam-se os anéis
de saturno
e os que tens
nos dedos de tua mão,
Algo aqui dentro, ainda arde.
Meu ainda peito bate
em afronta,
e a casa segue
do jeito que você deixou.
Mas já é tarde
pra pensar em paixão,
e no que já passou.
já é tarde pra uma última canção,
antes do bar fechar,
antes de pedir a conta...