Eu não sou mais louca.
Eu não sou clinicamente louca mais
De acordo com a papelada
E a nova prescrição
Mas há esse lugar na calçada no caminho pro trabalho
Onde por quase três meses havia um rato morto
E toda vez que eu passava por ele, eu pensava “alguém deveria fazer algo sobre esse rato morto” ou “eu deveria fazer algo sobre esse rato morto”
Mas então eu só segurava a respiração e continuava andando
E quase um ano depois, toda vez que eu passava, eu pensava “esse é o lugar em que o rato morto costumava ficar, e onde ninguém fez nada, por tanto tempo”
Eu não quase me matei por dois anos e três meses
Mas quando olho poemas antigos
Eu penso que alguém deveria ter feito algo por esse corpo sangrando
Minha boca, um espaço onde uma coisa morta costumava viver
Mesmo agora, quando a loucura voltou, ela não jogou tudo fora
Não derramou o vinho na minha goela
Ela não parecia nem um pouco com a última vez
Não derrubou a porta
Ela conhece essa casa bem demais nesse ponto
Ela sabe que eu a deixarei entrar ao anoitecer
Eu coloco meu relógio com despertador para escutar os toques na porta
Eu planto flores na primavera e quando chega outubro
O pânico floresce em toda janela
A loucura se acumula
Lava um vaso com suas mãos
Ela aprendeu a ser uma hóspede gentil
Para fechar as janelas para o inverno
Nós quase conseguimos perdoar o outono passado
As pílulas roubadas da bolsa da minha avó morta
E aquele homem e sua aliança
A forma com que a loucura se chamou do meu nome e eu quase deixei que ela o possuísse
Esse corpo conhece o medo como uma varanda da frente conhece o bem-vindo
Está sempre voltando para mim, para minha casa
E você não pode arrancar a loucura de mim
Da mesma forma que não pode colocar uma flor de volta em seu vaso
Mas esse corpo meu, entende de resistência
Sabe como é a manhã quando ela diz “fique”
Mas a loucura é uma desistente
Você tem a nota por frequência perfeita pra essa vida
E eu vou ficar
Eu vou ficar.