CAFÉ COM CUSCUZ SOB O CARVALHO

(para celebrar a obra O Carvalho, do Dr. Jorge Carvalho do Nascimento. Essa obra inaugural de Jorge, uma engenhosa construção metafórica e cheirando à prosa poética, merece estudos especializados de críticos literários de envergadura. O singelo presente que ofereço a Jorge, o cronista e contista, é um poema)

Sob o frondoso Carvalho me aboletei

naquela manhã de luz de dezembro

Era tão cedo, eu me lembro, e da madrugada não sobrou

Sequer uma gota de orvalho

A sombra larga me abrigava

E algo me dizia, contava, e eu ainda não sabia

Seria a história de um cavalheiro ou de um rei?

O tronco volumoso e impenetrável

As raízes no solo fincadas, espalhadas

Sugavam nutrição para as galhadas

Folhas de verdor e brilho

Aquele monumento natural

Milenar e habituado às alturas

Criou ares de realeza, de altivez

Mas guardava muita doçura

Híbrida e colorida, a árvore suportando a tempestade

O sol e os ventos

Sob o luar, sugeria amores

Recordações de velhos tempos

Sob a chuva, chorava suas saudades

Acalentava suas dores

Foi sob o Carvalho que me encontrei com Ivanda, Petrina,

Tia Terezinha e Maria Viana

Tantas histórias elas contavam

Era um filme a cada vez

Teve documentário da época da ditadura

A história da “Bala Redonda”, a Serenata de Amor

Mudando da água pro vinho, veio a lista de Totonho e o exótico vereador

De nome Cosme Fateira

Foi então que a vovó Petrina atiçou o fogão a lenha

E esticou no chão uma esteira

A brisa balançava o Carvalho

Chegou a hora do almoço

Aiiii, que cheiro maravilhoso

“resistir, quem há de?”

Comemos fazendo bolinhos, lambendo os beiços

Naquele momento sagrado apontou na cabeça daquelas mulheres

A frase tantas vezes repetida

“Esse menino vai ser padre”

Não vingou, a ideia foi preterida

O menino cresceu e se doutorou

É da História que gosta, sempre gostou

Que sorte a dessa gente

Tem os nomes celebrizados na missa da Literatura

Em narrativas trabalhadas nas brasas do forno, na quentura

E foi assim que conheci a história de Manezinho, o nouveau riche

Pobre coitado, foi pelo maître desprezado

E todo mundo achou graça da miséria alheia

Assim como se fôssemos ricos, burgueses

De bolsos cheios de areia

Achando pouco o vexame, o caso da TV

Presente da “quase” ricaça, a Tia Terezinha

A tarde ia na metade

Narraram a história do menino que ia ser padre

E que, em viagem de estudos, levou um cuscuzeiro

Já sabíamos, mais tarde, lá pela hora do Ângelus, da Ave Maria

O prato à meia-luz

Seria o amarelinho cuscuz

Não paravam de falar as mulheres

Foram ficando saudosas, românticas, melosas

Misturaram na prosa perfumes de lavandas, de hortaliças e de temperos

Que mistura de cheiros!

Isto tudo pra frisar o tempo antigo, antes da era do gelo

Isto é, da geladeira, que já foi das casas antigas

Um claro sinal de alguma riqueza

Aquele menino que não quis ser beato

Já frequentava cinema e gostava de banana-split, fuxicou tudo a Tia Tereza

Mas, para não perder o costume, comia castanha de caju assada

Apreciava ouvir o rádio, andar na feira, observar as panelas de barro, as cestas e os bordados

Andou também pensando em engenharia e na construção de aquedutos

Outra coisa de que gostava era de ouvir sobre Indiaroba, as narrativas da vó Maria

É com uma saudade de cortar o peito, que o homem já determinado e feito

Sente falta das festas juninas, do Santo Casamenteiro, de São João do Carneirinho

E de São Pedro, que da porta do céu cuida para não entrar qualquer sujeito

Mas não deixou para trás o relato do preconceito

Do professor desembargador, que fiscalizava dos alunos o dourado berço

E mais a do Capitão Médico Eronides Ferreira de Carvalho, Interventor em Sergipe no distante 1937

Das coisas todas sabia o estudioso pivete

Numa Rural Willys apendeu a dirigir

De marcas de carros entendia e, sobre o desenvolvimentismo

Durante o governo do presidente Juscelino Kubitscheck, ele discorria

Deu uma aula importante sobre o presidente Eurico Gaspar Dutra

Quando desembarcou do hidroavião e foi recebido pelos prefeitos de Petrolina, do lado Pernambucano, e de Juazeiro, no lado da Bahia

Incluiu o personagem estiloso, boa pinta

Na cabeça empinada, um chapéu da marca Ramenzoni

Eis o Coronel Joãozinho Maia, todo vaidoso com um parabellum na cinta

Ele quem mandava e desmandava, sua palavra não se discutia

Nem de noite e nem de dia

Mas, a hora era chegada, a de servir o café com cuscuz sob o Carvalho

Em uma mesa feita do seu mais grosso galho

O cuscuz fumaçando e alguém se lembrou do Tio Pratibanda

Por causa de quem Jorge Carvalho aprendeu o que é uma platibanda

Logo ele, o menino que desejou ser engenheiro

Vamos tomar café, pessoal?

Convidou Petrina, trazendo o bule e o açucareiro

Cada qual pegou seu prato de ágata, uma colher

Uma caneca bem grande

Para tomar cheia de café