Todo o prazer é um vício

Todo o prazer é um vício

há na minha orquestra uma alma desafinada,

palavras silenciosamente fora de tom

uma maresia de um azul suave, sob o laranja das horas

o tédio que me houvesse imposto o destino grita

uma fadiga crónica incrustada no não-pensamento…

todo o prazer é um vício, uma corrida ampla pela satisfação

depois ao último ponto final a ressaca, as tremuras…

perco-me se me encontro, e pasmo-me

diante de uma palavra simples, tentando compreendê-la

absorver-lhe o som, os movimentos toscos da boca

a forma dos lábios, a contorções da língua…

e pasmo-me nessa beleza de me perder ali

diante do nada e do tudo, como se o vício morresse…

todo o prazer é um vício e havia-me esquecido do tempo

desse que nos preenchia os abraços, desse que se fazia voz

desse tempo/palavra que se fazia poema, na mãe de todas as letras

de todas as palavras, esta a felicidade do vício, da repetição…

esperar? que tenho eu que espere, que me espere

se não escrever todas as palavras e todos os sons

e percorrer ruas e vielas e olhar as paredes e os céus

em todas as horas de todos os dias

para absorver o poema da rua direita

dessa que se entra pela esquerda e sobe…

todo o prazer é um vício e havia-me esquecido do silêncio

esse onde se gritam surdamente todas as palavras

escritas pelos poetas,

e no pensamento dos que silenciosamente as mastigam…

todo o prazer é um vício e havia-me esquecido do meu…

Alberto Cuddel

28/07/2020

19:15

Poética da demência assíncrona...

Alberto Cuddel
Enviado por Alberto Cuddel em 23/11/2020
Código do texto: T7119008
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.