NOSTALGIA 1
Ah, como sou grato
Tenho em mim todos os sentimentos puros que Deus criou para ofertar ao homem
Sou manso, hábil e paciente
Meus calos não doem e sim me representam com tamanha docilidade
Tudo que toco cresce, ganha viço e se eterniza nas vidas de todos
Sou uma árvore frondosa que nunca permite que o sol queime as fontes dos meus
Cada fôlego que sinto reproduz a alegria de nós todos como espécie
E em manhãs serenas vou navegar junto de meus pais
Rumo às estrelas
Impávidos com a visão acima e adiante
Cruzaremos as nuvens e cumprimentaremos os anjos como quem saúda amigos antigos
E giraremos até atingir o sol e dele extrairmos a luz que é mais rápida do que tudo e imparável...
Mas, sempre há um mas...
As bruxas agiram ou simplesmente não estava escrito
Vieram ventos de pestilência e muito pó, cercando tudo e moldando uma nova visão
Todos os planos ficaram em castelos de areia que a maré levou
Aquela velha casa dos sonhos abriga o que restou
E nela hoje habito
Na companhia apenas das memórias e dos fantasmas que elas produzem nas minhas noites opacas
Aquela aquarela que fazia presença já se foi há tempos
Deixou como substituta uma escala de cinzas pontuada por silêncios
Eventualmente intercalados por sussurros
Vida sacra minha que adia o encontro
Ou covardia embalada em letargia?
Nossos banquetes de idéias agora são travessas de vermes e poeira
Músicas inauditas e melodias outrora assobiáveis
Se mesclam no redemoinho do que deixei de sentir, de ver, de ser, de estar
De viver
Perguntas?
Não mais faço pois deixei de acreditar no conceito de resposta
Ando e olho mas não caminho nem observo
Escrevo e respiro quando posso
Não mais quando quero e peço
As reverências que cultivava perante tantas situações hoje estão caladas
Fizeram sua parte num mundo que não existe mais
Agora enfeitam lábios de cadáveres e rosas secas
Como um carnaval que passou e só sobraram os espólios, os restos do gozo que há muito esvaneceu
Fatos se misturam a pensamentos, intenções que serão sempre só isso
Estátuas austeras num corredor frio
No qual me sento e espero
Até por fim me tornar uma delas.