DAQUI DE CIMA
Daqui de cima vejo você lá embaixo.
Chupas o dedo, eu chupo um cacho,
de uva.
Daqui de cima assisto TV 60 polegadas. Que vida!
Assistes, sem controle remoto, um festival
de balas perdidas.
Daqui de cima sonho com passeios à Lua.
Ela, a mesma, te ilumina, apavorado,
nessa esburacada rua.
Daqui de cima uso pratarias e francesas louças.
Reparo no teu garfo torto, enfiado no ovo,
ao omelete, o príncipe,
a ti, o pouco à boca.
Daqui de cima transfiro bens à longínquas ilhas.
Pai de tantos problemas, o que deixará
à sua única filha?
Daqui de cima rezo a todos os meus Orixás.
No meio dessa multidão de tantas vozes e rezas,
onde teu deus vai te achar?
Daqui de cima, de pantufas acolchoadas, ando.
Te vejo pisando em pedras, pés cheios de chagas.
Até quando?
Daqui de cima sou um homem como você.
Anestesiado por leis e ordens, segues cabisbaixo.
Não vai perceber?
Daqui de cima