MEUS SAPATOS E A LAMA

Andei dentro daquela igreja

e meus sapatos se sujaram de lama

lama que era a mistura salgada das lágrimas

e suores pútridos dos padres que não se confessam

e nem das carolas mortas que apagam as velas do altar

A lama fervilhava dentro das cabeças

línguas

bocas

ouvidos

sexos

corpos

e todos cantavam Aleluia! Aleluia!

Meu pescoço suava uma seiva grossa

Aleluia! Aleluia!

Meus sapatos escorregavam na lama

que saía por debaixo das saias e bolsos imorais

Aleluia! Aleluia!

Minhas pupilas se contraíam repulsivamente

atrás de uma água pra lavar minha cabeça

Aleluia! Aleluia!

Quero me banhar naquela taça biforme do altar

pedir a todos que se revelem nus

Aleluia! Aleluia!

e ver as cicatrizes das moças virgens

ver os hematomas dos homens que governam

ver as pernas mecânicas das modelos fúteis

ver a lama que escorre das narinas

inclusiva da minha...

Meu sapato está sujo.

A toalha que forra a mesa onde o padre bebe o vinho

limpa minha lama, limpa meu sapato...

Aleluia! Aleluia!

Minha língua continua viva

mas meu coração se mistura com a lama que comungo na minha existência...

Valdson Tolentino Filho
Enviado por Valdson Tolentino Filho em 13/11/2005
Reeditado em 13/11/2005
Código do texto: T71113