MEUS SAPATOS E A LAMA
Andei dentro daquela igreja
e meus sapatos se sujaram de lama
lama que era a mistura salgada das lágrimas
e suores pútridos dos padres que não se confessam
e nem das carolas mortas que apagam as velas do altar
A lama fervilhava dentro das cabeças
línguas
bocas
ouvidos
sexos
corpos
e todos cantavam Aleluia! Aleluia!
Meu pescoço suava uma seiva grossa
Aleluia! Aleluia!
Meus sapatos escorregavam na lama
que saía por debaixo das saias e bolsos imorais
Aleluia! Aleluia!
Minhas pupilas se contraíam repulsivamente
atrás de uma água pra lavar minha cabeça
Aleluia! Aleluia!
Quero me banhar naquela taça biforme do altar
pedir a todos que se revelem nus
Aleluia! Aleluia!
e ver as cicatrizes das moças virgens
ver os hematomas dos homens que governam
ver as pernas mecânicas das modelos fúteis
ver a lama que escorre das narinas
inclusiva da minha...
Meu sapato está sujo.
A toalha que forra a mesa onde o padre bebe o vinho
limpa minha lama, limpa meu sapato...
Aleluia! Aleluia!
Minha língua continua viva
mas meu coração se mistura com a lama que comungo na minha existência...