Veneno
O quintal era nosso mundo
Árvores, frutas, folhas ao chão
Risadas de doer a barriga
Havia o encanto
E a doce inocência
Nossa pouca idade resolvia
Qualquer obstáculo que nos impunham
Entre nós, em nossa bem-querência
Mas o tempo foi passando
E de colorido, tudo passou a ser
Preto e branco
Olhares amargos
Palavras cortantes
A descoberta do feio,
Do errado, do proibido
Arrastados pela lama
Soltamos nossas mãos
O que talvez não sabiam
Ou sequer desconfiavam
É que havíamos nos ferido
Espinho ou estaca
Cravada no peito
Veneno na corrente sanguínea
Percorrendo todo o corpo
Subjugando mente e espírito
Longe um do outro
Chegamos a morrer
E tudo que era vivo
Coisas e pessoas
Morreram também
Matamos o mundo
Ressurgir, agir
Assim ressuscitei
E trouxe você comigo
Inventamos a vida novamente
Pintamos o céu e o mar com novas cores
Espalhamos areia, pedras, conchas
Direcionamos o vento
Soprando sempre em nossa direção
Provamos o doce e o azedo de todos os frutos
E mesmo não sentindo solidão
Decidimos compartilhar o que era bom
Com humanos e desumanos
Escolhemos um canto para viver
Retornamos ao nosso quintal
Eternizamos nossas crianças
E tudo voltou a ter cores
Vivas, quentes, verdadeiras
E desde que nos demos as mãos
Mais uma vez, e para sempre
O peito já não dói
Não obstante o veneno continue
A percorrer minhas entranhas
E um dia, quem sabe
Se Deus quiser
Mate-me por fim