O PELICANO (adaptação do poema Le Pélican, de Alfred de Musset)

Suporta, ó jovem, a chaga que te consome,

sagrado é o suplício de teu espírito conturbado.

Uma grande dor só enobrece.

Não chores pelo insulto, ó poeta,

nem a tua voz silencie

porque são mais belos os cantos desesperados.

Tu és o pelicano, ferido e cansado de longa viagem,

retornando em meio ao nevoeiro da tarde.

Os filhotes disparam na direção do pai,

riscando céleres as águas,

correndo confiantes em alegre estardalhaço,

escancarando os bicos,

inflando os hediondos papos.

Pescador melancólico, lança o olhar aos céus,

arrasta-se sobre a rocha

expondo em sua asa estraçalhada a chaga;

o sangue transbordando em borbotões

do seu peito aberto.

A ave perscruta, em vão, do mar as profundezas

– o oceano vazio, a praia deserta –

Tristonho e silencioso, o pelicano,

estendido sobre a pedra, distribui entre os filhotes, as entranhas.

O gesto sublime de amor

acalenta o martírio.

Embriagado em ternura, volúpia e horror,

estertora em meio ao divino e infindo sacrifício.

Ergue-se, estica ao sabor do vento

a asa esfacelada, emitindo um urro selvagem.

Ecoa na solidão da noite um fúnebre adeus,

fazendo debandar as aves marinhas.

Passa a sombra da Morte

sobre entranhas humanas,

tristezas, esquecimento,

amor e fatalidade.

Poeta, o peixe-espada traça no ar um círculo deslumbrante

onde há sempre uma gota de sangue.

08/04/2007