Meu deserto
Destroços de mim na sala de estar
o espelho contendo meu inimigo
um dia escorrendo
como um líquido se perdendo
partindo para o Reino do Nunca Mais
meu coração inquieto
não tem gramática para dizer
só me restam os versos
saídos da central do medo, da noite sem luar
e da infância que jamais foi.
(bons ou maus, eles, os versos
dizem sobre meu inverno
e o sangue jorrando
de um coração pequeno)
Eis que é manhã
e um ingênuo pode se iludir
o sol brilhante de generosidade
e o dia é novo
como um caderno
em que se imaginam as mais belas linhas
mas a manhã parte
é rio para o mar
não para meus olhos
o dia entardece
o espelho me perfura
não dá para aprisionar
o frágil instante de esperança ingênua
é noite e o sono
será a festa de meus demônios.
( Todos estão ocupados em vencer na vida
em recitar versículos de autoajudas.)
Os versos são meu deserto
meu pranto pela ausência de Deus
minhas lágrimas de sangue
meu temor pela missão
e pelo martírio
minha conversa com Satanás
o reencontro com minha palavra
minha maneira de reaprender a continuar.