Duas vezes paixão
Um passeio sob um sol
que nunca nasceu,
numa tarde de maio
que nunca existiu.
A praia que não fomos.
O vento que não soprou.
Teus cabelos que não balançaram
As cortinas que não fechamos.
O abraço que nos faltou.
As lágrimas que te afogaram
e que nunca pude enxugar.
O nosso não caminhar
de olhos e mãos
e pernas
e carnes entrelaçadas.
A cama em que nunca deitamos
As besteiras que você nunca sussurrou em meus ouvidos.
Essa ausência silenciosa
que me assombra
é um monstro de infinitas aparências.
As palavras que me aceleram
e que são escritas
por mãos longínquas,
mas tão presentes.
Mãos familiares,
mãos leves que nunca alisaram minha testa suada.
Mãos que amei
sem mesmo nunca ter visto.
Eu estou em você e você está em mim.
Mas ainda assim não consigo dizer
que te entendo,
não com toda a coragem, não com toda a certeza.
Assim como tudo, isso também não existe.
A dor é particular demais.
Ela emana a cada batida no peito
e todos ao redor podem sentir o cheiro,
podem ver a cor, podem se sentir mal na presença dela,
mas apesar de grande,
a sua sina é caber
em apenas um coração.
Deuses, como eu queria que você
me acendesse um cigarro agora.
Somos um longo não ser
Mas isso não me derruba.
Não.
Nunca.
O que me corrói,
não é toda a possível ventura
que nos foi negada,
O que me aflige, é tua tristeza
ser Maior do que a nossa distância.