SAUDADE COM SABOR A CANTIGA
Certo dia, quando a aurora ainda
De seu sono a despertar,
Peguei meu alforge de branco linho
Tecido por minha mãe pra seu filhinho,
E enchi-o de recordações
Para delas me alimentar na viagem
Que estava prestes a começar,
Lá para as bandas do p. de Leixões.
Juntei uma nesga de musgo dum muro
Acho que tão velho quanto o tempo,
Peguei uma réstia de sinfonia
De certo melro trovador,
Que cantava à porfia
Com certo bandolim tocado com maestria
Por um velho professor;
Uma lágrima eu tomei
Do meu rio lacrimoso, que passava,
E um tantinho da tramela do moinho
Que a mesma cantiga sempre trauteava.
Lá nos pinheiros altos colhi uma pena
Dum gaio magestático e altaneiro
Pra enfeitar minha fantasia,
De ainda um dia
Eu também poder voar;
A lembrança dum pisco arisco guardei,
Que para os insetos abocanhar
Parecia sobre o telhado da casa bailar,
Que já foi do pai do meu pai;
Ah, e o meu gato matreiro!
Que no borralho sonhava a tempo inteiro
Com o petisco, que era o pisco.
Guardei uma Ave-Maria
Que no sino da igrejinha tocava,
Para que me valesse na grande travessia,
Que para terras de além-mar me levava
Das quais eu nada conhecia.
De passado e presente
Um alforge de sonhos abarrotei,
Até mesmo a carraspana de aguardente
Que certo dia me fez ver o mundo
Mas, de pernas pro ar;
Do futuro, pra que falar?
Se de futurologia nada sabia,
Muito menos adivinhar.