O funeral do sol

Era manhã nublada

meu coração se lembrava de uma floresta morta

quase novembro

e os homens não sabem o que fazer com o ano

sou a inutilidade das inutilidades

poeta de musa raquítica

narrador de anemias

mas o que importa são as cinzentas nuvens

e o adiantado do ano

as máquinas, os produtos, os símbolos sexuais, os atletas, os profetas, os bilionários, os bons cristãos,

todos com mesas postas

e trajes adequados

eu poderia ter cantado a canção adequada

para agrado da plateia

e a benção dos reis

mas fui sempre um olhar perdido

em um mundo em estranha dança

já não posso partir

estou aqui e vejo o riso dos deuses

a glória dos jovens

a estupidez dos adultos

os capatazes tão capazes

a máquina que não dorme

e semeia a insônia

Manhattan não dinamitada

global, fluída, sem fronteiras.

E eu preso aqui

sem uma imaginação bonita

tropeçando em segundas-feiras

bebendo armaguras na padaria de Satanás

é noite e ainda não me vesti

espero um sinal divino

ou um poema de uma mulher

mulher cuja mão direita

sustenta o Éden e a esquerda o Apocalipse

mulher com olhos-canoas para jardins mais absolutos

ou, ao menos, cúmplice de uma conversa.

por enquanto sou a sombra de um defunto

que precisa sorrir

na sala de reuniões.