ALMA DE FLORES

sento-me. sinto-me

protegido pela lânguida lâmina de sol

que me pega o ombro paralelo à janela

para morrer aos poucos na alvura do lençol

tudo parece tão em ordem

mas é apenas o caos calculado

o quarto cheira a talco e óleo Singer

dois e oitenta de pé-direito, quadrado

tudo parece tão em paz

mas há uma batalha sob a poeira

há focos de incêndio pelos cantos

há perguntas não respondidas debaixo da penteadeira

sento-me. sinto-me

como se cada dia crescesse em meia hora

já que a noite demora a vir e o amanhecer parece não chegar

e tudo que aqui acontece não acontece lá fora

tudo parece estar no seu lugar

mas, perceba, há invasões

um botão, uma chave, uma agulha

não respeitam divisões

tudo parece seminovo

mas é tão velho quanto o dilúvio

quanto o Pentateuco

quanto a erupção do Vesúvio