ÍCARO
Hoje fiz um par de asas
para voar, levado pelo vento,
sobrevoar nos vilarejos as casas
onde o homem se esconde dos tormentos...
Darei voos rasantes com rapidez
para apanhar mãos de crianças
apanhadas sem infância, em viuvez,
e levá-las a campos de esperanças...
Nada me impedirá, nem o que me dói,
cercas elétricas, antenas confusas,
nem que me chamem de tolo herói,
nem abastadas mentes obtusas...
O cão pode cair no fosso,
o cavalo se engalfinhar com o mata-burro,
mas o homem, diplomata ou rude, grosso,
haveria de distinguir o que é canto ou urro...
Antes que se desmanchem, agora,
as asas da misteriosa imaginação,
levarei, num relance, o olhar da aurora
aquecendo meu coração...
Indo de encontro ao magno astro sol,
que me fará seta no coração de uma flor,
que eu me desfaça nos braços do arrebol
multiplicando em fragmentos este solar amor...