O poeta é feito de saudades

Não recordo, por ora, a última vez que escrevi. Mas, de alguma forma, previa a próxima: hoje, aqui e agora. Isso porque o Poeta é feito de saudades, sustentado pelas letras, existente pelo prazer de não se conter: verso a verso, linha a linha, agulhada a agulhada... pouco a pouco tece o que recobre sua existência – Poesia.

E em cismar sozinho a noite, banhado pela saudade, como soldado que encontra a amada após a guerra, me encontro cá, escrevendo uma poesia sem começo nem fim. Um enredo sem personagens, um conto sem suspense. Escrevo pela saudade. O Poeta é feito dela, portanto, preenchido pelo peso na consciência, por saber que o branco – já empoeirado – do papel é de sua responsabilidade, não resiste e se abraça: poeta e poesia, caneta e papel, dedos e máquina.

O Poeta não dorme tranquilo quando não escreve. Até dorme, mas não repousa. O Descanso não é amigo do descaso – e não há descaso maior que dormir sem escrever. Assim, noite após noite, saudosamente o Poeta escreve. Não precisa de fatos, de dados, números ou estatísticas. O poeta escreve, simplesmente porque escreve. Justifica sua escrita nela mesma. Mas a saudade... ah, a saudade... É como se Narciso se olhasse, como se o filho nascesse, como se o trem chegasse. É como abrir a porta de casa ao chegar de uma viagem. Como uma fogueira em junho. Um banho de chuva, à noite, depois de um dia péssimo!

É como tentar falar de outra coisa e não conseguir: O poeta é feito de saudades.

Lucas Motta

MottaLucas
Enviado por MottaLucas em 02/10/2020
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