HOMENAGEM A GREGÓRIO DE MATOS GUERRA E A GIL VICENTE
Morto serás bem bonitinho
Quase estou vendo
tua pose funérea
teu branco colarinho esconde
tua doença venérea
(– Quão bonitinho ele morto!)
Nada se encontra de torto
tua cara de santo
tua boca de canto a canto
para de tornares rei
falta apenas o manto
Considerado
Respeitado
Direito
Todo escovado
(– Quão bonitinho ele morto!)
(Vai viajar, o aborto)
Graças a tanatologia,
Parecias um sapo,
Agora, uma cotia.
Arrancadas as tripas
pouco tu hás de feder;
arrodeadas de flores
as bochechas de bebê
(– Quão lindinho ele morto!)
Que belo enterro, vais ver
Pompa e circunstância
Discurso, adulação
– Deixa pra lá, ele não escuta
Acabou-se a audição
Os olhos bem fechadinhos
Os dedos encruzadinhos
A gravata, uma perfeição
(– Quão bonitinho ele morto!)
Ali dentro do caixão
Não precisas mais dos óculos
Tu não vais ler
Tampouco escrever
(– Que beleza de defunto, se pobre eras presunto...)
Pra não correr risco
A esposa remove o cisco
Pra que o esposo veja Deus
– Tão bom! Tão puro! Inocente, justo...
Diferente dos ateus
Os “invejosos” não dispensam,
Cochichos beiram o túmulo:
Sujeito malandro, disfarçado
Tal piedade é o cúmulo.
Merecias tanto tapa,
Uma cusparada na cara;
Como ainda fosse pouco,
enfiava-lhe uma vara.
Não se lembra o disfarçado
do tempo em que andava a pé
Casou-se com moça de família tradicional e rica,
Não quis ser pé-de-chulé
Teve sorte o desgramado,
Conseguiu se graduar
sentado nas carteiras
da faculdade particular
A ajuda do sogro
foi por demais excelente,
O pobretão desvalido
se entonou,
virou gente
Desconheceu os parentes,
virou as costas a cada um
Se lhe perguntassem
É seu primo?
Nunca vi esse mutum
Assim se viu num posto
Começou a ordenar,
sem perdão pra seu ninguém
se danou a canetar
era lei para aqui, parágrafo para acolá
Agora eis aí o cara de tacho
O destino não dispensa
(– Quão engraçadinho ele morto!)
Bailam as moscas em sua venta,
vão com ele para a cova,
lugar de coisa nojenta.
Uma vez lá dentro esteja,
fechado, cimentado, marmoreado,
sai a família na intriga
De quem é a mansão?
a casa de praia?
as ações?
a poupança
(Há motivos demais pra briga)
Do outro lado da vida
onde todo mundo é ninguém
A barca do céu já foi,
A outra só uma vaga tem.
Assim que chegou no Inferno
O diabo arrenegou
– Sujeito da cara sebenta,
Quem para cá te chamou?
Metido até mesmo morto
nem sequer se abalou:
– Aqui mando eu,
tu és o meu assessor
Aracaju, 02 de fevereiro de 2007