DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Eu vi uma mulher

implorando piedade ao seu homem

– e ele, indiferente

uma mulher amando outra

– e ele, indiferente

uma mulher chorando

a solidão do parto

– e ele, fumando

uma mulher conversando

com uma panela de feijão

sob pressão

– e ele com uma fome de cão

uma mulher vendendo prazer

por qualquer tostão

uma mulher lavando roupa

até o vermelho tingir a água

e o claro esterilizar a alma

outra, varrendo as estrelas

para receber nos braços

a madrugada

e o canto dos pássaros

outra acendendo a manhã

por detrás dos montes

aquela, cega de murros,

não via o sol

– e ele assistindo futebol

Maria não foi à Igreja

porque o companheiro

afagou-se na cerveja

Amélia foi enforcada

na brancura do lençol

Marina morena enrugou,

mas não se pintou

Maria foi com as outras

entrou na canoa furada

ele mentiu

ela acreditou

no presente

na flor

A advogada o Código Penal fechou

A médica jogou no lixo o avental

porque lhe fazia mal

A filha desconheceu o pai

A mãe o filho renegou

A jornalista amou de paixão

o médico ladrão

A princesa casou com o plebeu

Outra princesa por amor morreu

A rainha ficou de pé

Margareth, num xeque-mate,

ganhou a guerra

Tereza ficou tuberculosa

e virou santa

Tereza de Ávila de gozo enlouqueceu

Goretti não se rendeu

Inês, esta mataram

sem dó, sem piedade

A namorada do juiz

levou tiro pelas costas

A presidiária roubou

comida

no supermercado

para os filhos do macho alcoólatra

e na visita íntima,

de novo concebeu

Tanta coisa aconteceu

ele diz que se arrependeu

Na primeira página do jornal:

Adolescente gera filho-irmão

O cínico pai pede perdão

O médico, na intimidade do quarto,

desenvolve fantasias sexuais

pede a esposa que se vista

como as mulheres do cais

A amante cheia de hematomas

no pescoço, nas coxas.

Linda, bem feita, toda roxa

Tanta coisa aconteceu

(e, até engravidar para depois abortar,

ela tinha certeza que ia casar

que ele era seu)

De presente

pra Joana D’Arc, a fogueira

pra Antonieta, o patíbulo

pra Maria, o filho morto

Pilatos lavou as mãos

se escondeu

Quem sabe se arrependeu.

Aju, 08 de março de 2007