CANÇÃO DE ALANDROAR
(Poema dito na escadaria do castelo da pequena cidade de Alandroal
perante uma audiência de centenas de pessoas)
Aquela branca flor de alandroeiro
era a única luz do alandroal.
Nem a lua rompia o nevoeiro
nem o sol punha um riso matinal.
Ali reinava a treva o dia inteiro.
Ser de noite era um estado natural.
Não duravam as flores no canteiro
e apodrecia a água no canal.
O vento ameaçava, em tal berreiro
que tremia de medo o canavial.
Trovejava o relâmpago certeiro
zunindo como um látego infernal.
Tal o rancor, o ódio verdadeiro
a abater-se em torrente no local,
que até mesmo o impávido coveiro
pedia ajuda aos mortos do coval.
Mas o povo sorria, prazenteiro,
numa beatitude divinal.
Bailava e patinhava no lameiro
indiferente aos dentes do chacal.
Os homens riam com olhar rafeiro
e as crianças, em saltos de pardal,
vinham brincar com ossos no palheiro
e mascarar a dor de carnaval.
Foi quando rebentou a flor. Primeiro
era um botão, um tópico, um sinal.
Depois desabrochou e, logo, um cheiro
a espaço aberto dominou o vale.
Vieram as crianças a terreiro
entoando cantigas de natal.
Veio o pastor, o cavador, o oleiro,
o almocreve, a ceifeira, o maioral.
Uma flor branca abriu ao povo inteiro
o clarão de uma esperança universal.
Amainou a água turva do ribeiro,
deixou de ser agreste o matagal.
Estoiraram foguetes no outeiro,
repartiu-se irmãmente o pão e o sal.
Já se apertava o braço ao companheiro,
abriam-se olhos negros no olival.
Eis que, lá longe, surge um cavaleiro
galopando veloz, branco de cal,
num corcel negro a deslizar ligeiro
como núvem em pleno temporal.
Aproxima-se mais o viageiro
(esqueleto emergido do coval).
Traz na boca um sorriso traiçoeiro
e, a tiracolo, o ódio no bornal.
Desembaínha um arrepio. Ligeiro
esconde-se nas sombras de um portal.
Desfere um golpe. E a flor do alandroeiro
cai, desfeita de dor, no lodaçal.
Um grito de alma ecoa no terreiro.
Um pesadelo instala-se, brutal,
quando a flor branca rola no ribeiro
e parte, envolta num palor mortal.
No mesmo instante, a meio de um junqueiro,
brota uma flor de sangue, sem igual.
Desde esse dia de ódio derradeiro
nunca mais ninguém riu no alandroal.
(Poema dito na escadaria do castelo da pequena cidade de Alandroal
perante uma audiência de centenas de pessoas)
Aquela branca flor de alandroeiro
era a única luz do alandroal.
Nem a lua rompia o nevoeiro
nem o sol punha um riso matinal.
Ali reinava a treva o dia inteiro.
Ser de noite era um estado natural.
Não duravam as flores no canteiro
e apodrecia a água no canal.
O vento ameaçava, em tal berreiro
que tremia de medo o canavial.
Trovejava o relâmpago certeiro
zunindo como um látego infernal.
Tal o rancor, o ódio verdadeiro
a abater-se em torrente no local,
que até mesmo o impávido coveiro
pedia ajuda aos mortos do coval.
Mas o povo sorria, prazenteiro,
numa beatitude divinal.
Bailava e patinhava no lameiro
indiferente aos dentes do chacal.
Os homens riam com olhar rafeiro
e as crianças, em saltos de pardal,
vinham brincar com ossos no palheiro
e mascarar a dor de carnaval.
Foi quando rebentou a flor. Primeiro
era um botão, um tópico, um sinal.
Depois desabrochou e, logo, um cheiro
a espaço aberto dominou o vale.
Vieram as crianças a terreiro
entoando cantigas de natal.
Veio o pastor, o cavador, o oleiro,
o almocreve, a ceifeira, o maioral.
Uma flor branca abriu ao povo inteiro
o clarão de uma esperança universal.
Amainou a água turva do ribeiro,
deixou de ser agreste o matagal.
Estoiraram foguetes no outeiro,
repartiu-se irmãmente o pão e o sal.
Já se apertava o braço ao companheiro,
abriam-se olhos negros no olival.
Eis que, lá longe, surge um cavaleiro
galopando veloz, branco de cal,
num corcel negro a deslizar ligeiro
como núvem em pleno temporal.
Aproxima-se mais o viageiro
(esqueleto emergido do coval).
Traz na boca um sorriso traiçoeiro
e, a tiracolo, o ódio no bornal.
Desembaínha um arrepio. Ligeiro
esconde-se nas sombras de um portal.
Desfere um golpe. E a flor do alandroeiro
cai, desfeita de dor, no lodaçal.
Um grito de alma ecoa no terreiro.
Um pesadelo instala-se, brutal,
quando a flor branca rola no ribeiro
e parte, envolta num palor mortal.
No mesmo instante, a meio de um junqueiro,
brota uma flor de sangue, sem igual.
Desde esse dia de ódio derradeiro
nunca mais ninguém riu no alandroal.