[Moinho de Palavras]

A palavra parte — a fratura expõe o ser —,

há uma inundação de vazio,

há a perda da claridade do olhar,

há a instalação da angústia!

Lugares, coisas, fenômenos

do simples ato de partir —

um aceno de mão,

uma estrada,

a gare da Estação,

o cais do porto,

uma vendinha amarelada do tempo[fotografia?],

a porteira,

a batida da porteira, [certeza da ida...],

as mãos desistidas,

os braços caídos,

o nó na garganta,

o fim...

A palavra parte — é um fato;

na partida, a palavra parte,

parte o que não foi dito[o embargo da voz],

parte a despedida [o último beijo],

parte a esperança[a fratura...],

parte o sonho[a queda...],

parte o coração[que fica...]

parte o coração[que se vai...],

parte, parte, e parte...

Quem foi que partiu,

o que foi que se partiu?

E, no entanto, aí ficas,

de sonhos fraturados,

na janela, a olhar a rua vazia...

É tão suave a tua dor,

é tão curtida a tua tristeza,

é tão intenso o acalentar de momentos,

que fazes com o mundo um pacto de silêncio:

qualquer palavra é inútil,

pois qualquer palavra [te] parte...

E te digo: no sertão, a gente fala pouco,

pois sabe que a palavra é inútil

para mudar as pessoas e as coisas,

mas é muito esperta para moer,

moer de dor infligida, de mágoa aflita...

[O estupor de estar vivo, com os meus erros infestando-me os dias, os meus sonhos, é a pedra mó que me consome. E como sempre, eu não disse nada...]

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[Penas do Desterro, 21 de outubro de 2007]