Consagração
Nunca escrevo a poesia, ela é que se escreve por mim. Não a chamo, não a causo, não a fabrico, não a planejo. Ela me vem, do seu jeito avassalador, no trânsito, no elevador, no meio de uma viagem de trem.
Como fiel súdito, ouço sua ordem e me coloco na posição sagrada para que se aposse de mim: caneta e papel à mão. Sempre os carrego comigo: são-me artefatos litúrgicos de minha ritualística.
Não sei o que escreverá por minhas mãos; se o penso, ela foge e nunca o saberei, pois, quando vier de novo será outra sua mensagem, jamais a mesma do quando que se me agorifica.
Há vezes em que me espanta, às vezes me encanta; não tenho, porém, nenhum poder sobre ela: sou-lhe impotente por opção.
Só leio o que escreveu quando chego ao fim e ela se retira para o não-sei-onde-mora. É então que dou título ao poema, a única coisa que me autorizou a fazer quando lhe fui consagrado como servo, e lhe fiz o voto eterno de obediência.