Consagração

Nunca escrevo a poesia, ela é que se escreve por mim. Não a chamo, não a causo, não a fabrico, não a planejo. Ela me vem, do seu jeito avassalador, no trânsito, no elevador, no meio de uma viagem de trem.

Como fiel súdito, ouço sua ordem e me coloco na posição sagrada para que se aposse de mim: caneta e papel à mão. Sempre os carrego comigo: são-me artefatos litúrgicos de minha ritualística.

Não sei o que escreverá por minhas mãos; se o penso, ela foge e nunca o saberei, pois, quando vier de novo será outra sua mensagem, jamais a mesma do quando que se me agorifica.

Há vezes em que me espanta, às vezes me encanta; não tenho, porém, nenhum poder sobre ela: sou-lhe impotente por opção.

Só leio o que escreveu quando chego ao fim e ela se retira para o não-sei-onde-mora. É então que dou título ao poema, a única coisa que me autorizou a fazer quando lhe fui consagrado como servo, e lhe fiz o voto eterno de obediência.

José Carlos Freire
Enviado por José Carlos Freire em 05/08/2020
Reeditado em 05/08/2020
Código do texto: T7026979
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