Maria a santa do sertão
Ave Maria dos meus encantos
abóbora doce, talhas gentis
rainha das serras sagradas
orvalhos verdes sobre os maturis
ave Maria do meu verão
do manto quente sobre o sertão
bendita, faceira e prendada
és ditosa entre as mulheres
que mexem a fé com as colheres
cheias de graças da alvorada
Do vosso ventre veio a chuva
sobre os teus filhos de barro
abençoando a prole seca
sementes ocas fora do jarro
rogai por nos os agricultores
que já brotamos tão pecadores
poucos de pão fartos de fome
rogai por nos santa brejeira
mãe do rebento fé da parteira
que muito chora e pouco come
Bem aventurada mãe rendeira
dos bilros ternos e cintilantes
em almofadas da caridade
terces as preces dos suplicantes
vem ate nos com teus balaios
trançados com benditos raios
para nus dá seiva e calma
tua bondade é nossa água
que nus inunda e que desagua
no leito seco de cada alma
Tantas Marias mães sem os seus
de colo seco murcho e raso
olhar lodoso longe e opaco
qual fossem dois sois no ocaso
essas que penam as suas sinas
que choram lágrimas de resinas
sede com elas minha madrinha
dai-lhes aos lábios bagos de risos
e aos descrentes e indecisos
rosas de sol flor de farinha
Tira de nos todo o azedo
todo o insosso todo o aguado
tempera com o teu amor
o nosso querer minguado
chuvisca em nos a caridade
desata o nó da vil maldade
amansa a vã valentia
cabocla e mãe da pobreza
repousa vos em cada mesa
o pão da vossa alegria
Antes que brilhe o punhal
antes que o sangue escoe
antes que a fome mate
antes que o tiro ecoe
aquieta o mal destino
reimoso feio e ferino
com uma viola capaz
faz da nossa cantoria
um nascer dum novo dia
tocando somente a paz
Salve ô minha madrinha
de broche e sendal branco
com xale e cocó divino
virgem calçada em tamaco
daí força a quem tem pouco
e aos tocadores de coco
pandeiros e festa perene
acende em nosso salão
o lume do teu lampião
com teu santo querosene
Abençoai nossas colheitas
e nossas raízes plantadas
as safras das mangas gordas
as espigas imaculadas
as brocas das terras duras
de onde as tanajuras
salpicam pretas no chão
o corte da foice nas canas
e o maduro das bananas
nos cachos da devoção
rogai por nos aboiadores
com nossos terços de calos
devotos destas catingas
fies de couro em cavalos
valentes dos arrais
que louvam em seus currais
os hinos dos sertanejos
abençoai com fartura
o doce da rapadura
e o leite que faz os queijos
Tem piedade dos matutos
da lavadeira bendita
beija o corpo fraco e nu
santa Maria bonita
espia os teus devotos
os mais certos os mais tortos
pois todos nascem pro bem
abri as vossas porteiras
para as nossas debulhadeiras
te adorarem também
Madrinha do nosso chamado
acode a nossa peleja
perdoa os que desprezaram
os portais de tua igreja
nus dai força que suporte
quando a cangaceira morte
nus pegar de emboscada
dando o cruento tiro
seja teu o nosso suspiro
venha a nos tua morada.