O abominável homem das trevas

"Sombrio e obscuro,

ele navegava pelo asfalto da avenida

como quem veleja pelo concreto frio, cinza e duro da cidade.

Caminhava altivo e inexorável

os caminhos possíveis de seu pensar,

em ruinas, via o seu mundo inexplorável ruir a cada esquina.

Sentia suas dores mais intangíveis explodirem na escuridão à sua frente

e como um mensageiro da escuridão ele explorava o mundo de forma inabalável.

Em meio às trevas de sua existência embebidas de silêncios enormes

que lhe afagavam a face

penetrava o seu abismo mais profundo.

Feito mãos que penetram insensíveis as teclas de um piano e afagam sombrias as cordas de uma guitarra,

seus pensamentos mais sordidos ressoavam temerosos e solitários pelos acordes mais crueis e malignos daquela noite.

Ao caminhar por seus medos mais horrendos, se aprazia da amizade sincera que lhe ofertava a solidão, oprimido pelas sombras da noite retorcendo-se pelo caminho e beliscando o seu calcanhar, via, sentia,

a brisa da noite lhe afagar serena a face segundos antes do breu intenso da madrugada explodir em sua retina,

já turva e meio estorvada.

Enquanto percorria sozinho e intrépido os caminhos sombrios de sua escuridão revia os rumos prescritos em seu destino.

Ao passar pela avenida vazia,

via as luzes dos postes de iluminação se apagarem feito presságios.

O abominável homem das trevas caminhava sonoro, todos os dias,

pelas vias mais improváveis de sua quase morte

e bem em meio a percepção de sua inexistência

era acometido de uma euforia absorta e imponderável,

acometido de um prazer inexplicável.

A adrenalina lhe aprazia.

As trevas lhe aprazia.

A solidão lhe aprazia.

Nem mesmo a morte lhe metia medo.

Na escuridão, os seus olhos brilhavam feito estrelas raivosas

deslizando pelo céu infindo,

refletindo o brilho sagaz de sua impenetrável coragem.

Seu hábitat era a escuridão.

O ecossistema ao qual pertencia subsistia no caos à beira do quase fim".