Menino
apenas um menino.
olhando de fora, ele era apenas um menino
de olhar perdido e expressão hermética.
era mesmo um ser obtuso
já nascido como que pelo avesso.
ninguém diria nada daquele menino
nada de extraordinário
ninguém repararia quaisquer estranhezas
mesmo se fitasse o menino com atenção.
contudo, o menino ardia em questões urgentes.
dentro de sua cabeça haviam himalaias
mulheres birmanesas com longas argolas de pescoço
autoestradas, lagoas, muralhas e tesouros.
dentro dele havia um mundo
sendo descoberto e sonhado.
ele se atrevia a saber
e o que ele não sabia, ele inventava.
as lacunas foram dando lugares à fábulas
e prontamente caixas de remédios e barbantes
tornavam-se embarcações transatlânticas
e coloridos dragões de festivais japoneses.
aquele menino franzino, criança de porvires
na sua quietude aparente,
era um emaranhado de aventuras
de curiosidades, especiarias e brilhantes.
aquele menino, pássaro fora do ninho
se pergunta: depois de voar o mundo,
poderia ele, só por um segundo,
reaver a inocência perdida no caminho?