FOME

Fome de céu

Fome de atenção

Fome de sentir fome quando os sentidos pairam ante a morte

Fome de vida perante o caixão lacrado cujo conteúdo é o cheiro do seu travesseiro

Fome de morte quando a vida vira um incenso fedido

Fome de caos

Fome de juventude na velhice precoce

Fome do teu e do meu

Fome das justificativas tão úteis no inverno e tão ridículas no verão

Fome de ser antes de poder

Fome de aprender sem conhecer

Fome do canibalismo tão em moda

Fome da antropofagia tão esquecida

Fome de ser e foder, fome de querer e nunca poder

Fome de tempero e não de acúmulo

Fome de quebrar e anseio de rasgar...

Os céus, a temperatura e o cosmos em toda sua malha infinita...

Fome de gerir e ser profundo

Fome da marmita quente com muita pimenta degustada debaixo da sombra da árvore

Fome dos insultos tão gentis que recebemos quando pouco estamos preparados

Fome de ver o mundo sob um monóculo e aceitar que o código binário é a única lei da humanidade

Fome de compor canções tão cálidas e desesperadas quanto a pior ressaca após o enterro de quem se ama

Fome de crepúsculos e chuvas ininterruptas

Fome de poemas que façam sentido

Fome da fome, fome do meio-dia

Fome da velha razão sacrossanta

Fome dos sintetizadores e do neon em cada esquina

Fome de calar e vociferar em termos iguais

Fome da desgraça pestilenta que varre a vida e concentra seu canal nas veias de quem pouco andou nos caminhos de ambas...

Fome de fé e redenção

Fome de cânticos elevados e hinos amaldiçoados que serão entoados por todo o sempre e que eventualmente não ouvirei...

Fome de ser, de ter, de haver, de fazer, de saber

Fome de concluir, de satisfazer, de abdicar...

Fome de viver.

Caio Braga
Enviado por Caio Braga em 18/07/2020
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