O JORNAL - Justiniano de Serpa

Li o Fausto e deitei-me. Um sonho belo-horrível

fez-me ver tudo em roda ardendo como um forno!

A Terra olhava o Céu; e o Céu, mudo, impassível,

tinha a Morte no seio e via a morte em torno!

Rugia a Tempestade, orquestrações medonhas

e enchiam todo o espaço as lavas do Sinai…

O Mar mandava ao Azul, deprecações tristonhas

e aos Ventos, a bramir, dizia ao Céu: “parai!”

Assombroso painel! Dir-se-ia a luta imensa

de Roma e Ravena, ou Jeová e Satã!

Abismos sobre o abismo! Em vão a devia crença

buscava ver no espaço a estrela da manhã!

Era o Cosmo em ruína! Açoites implacáveis

flagelava de morte a Terra, o Mar e os Céus!

Voltava a Humanidade às Eras insondáveis!

Vestia-se de assombro o Espírito de Deus!

Mas súbito aparece, aurifulgente e bela,

a Aurora a desdobrar-se, esplêndida de luz!

Ressoam inda ao longe os uivos de Procela,

mas REINA PLENA PAZ entre Ahriman e Ormuzd!

Faz-se então inventário à velha Humanidade.

Tudo é morte e horror! Só vive o imortal!

Apenas Gutemberg, em honra a liberdade,

salvou do Cataclismo a arca do — JORNAL…

© Justiniano de Serpa

in: Jornal “A Quinzena”, 1887.

_________________________________

Justiniano José de Serpa (Aquiraz, 6 de janeiro de 1852 — Rio de Janeiro, 1 de agosto de 1923), foi um escritor e político brasileiro.

De origem humilde, trabalhou desde cedo juntamente com seu pai, Manuel da Costa Marçal. Transferindo-se para Fortaleza, começou a atuar como jornalista. Bacharelou-se em Direito na Faculdade de Direito do Recife, em 1888, quando já era conhecido na vida política e intelectual local. Foi um dos mais fervorosos adeptos da abolição da escravatura no Ceará, seja como político, seja como jornalista. Nessa atividade, chegou a  redator  do jornal A Constituição, órgão do Partido Conservador Cearense.

Participou do Centro Literário e foi um dos fundadores da Academia Cearense de Letras, do qual é patrono da 22ª (vigésima segunda) cadeira e, em 1922, foi o responsável pela sua reorganização. Autor de diversas obras do campo do Direito, de ensaios e poesia. Destacam-se Oscilações (1883), O Nosso Meio Literário (1896) e Questões de Direito e Legislação (1920). Sua obra poética, ligada ao movimento abolicionista, do qual foi um dos mais ativos participantes, era essencialmente condoreira. Foi maçom pertencente à Loja Fraternidade Cearense.