poeta do segundo milênio
quando contarem a história das primeiras veredas do segundo milênio
alguém lerá meus versos perdidos
no tempo
e dirá: "eis aí um poeta
que o representa",
e dirá ainda: "eis um poeta
brasileiro",
"eis o americano",
"o novo mundo a desmembrar a história
e a reinventar o futuro".
"poeta do segundo milênio,
desde a saudade de um mundo
que, transmutados seus valores,
restou tecnologicamente massacrante,
ligeiro,
urbano, em quase todos os lugares…
desde o coloquialismo infiltrado
na escrita, até os vícios, barbarismos,
habitualizados pela internet…
da incapacidade de ser original
à gama inesgotável de vozes a falar sobre
tudo, acrescentando milésimos a segundos
e tornando a rede de conhecimentos
estreita e rizomática, complexa,
inalcansável…
da luta quase barroca não entre bem e mal,
mas entre fé e vazio,
entre criacionismo e ciência"…
"do sonho que era simples e heroico
a ter-se tornado burguês e empreendedor"…
"do desejo de transformação
contra a pieguice de costumes encravada
na tradição que ainda muitos
preferiram cultivar,
por estarem cômodos em seu atraso
(e obrigarem ao comodismo),
por se beneficiarem do retrógrado
(e cultivarem a retroação)"…
"um poeta que se recusou às blagues
e frases de efeito
e buscou costurar linhas de acesso
distantes ao cosmo,
entendendo a regra mas nunca
a inanição…
entendendo a sua posição
mas nunca uma finalidade…
entendendo à guimarães rosa
a maldade...
nunca a impossibilidade,
nem o ateísmo, nem a religião"...
"poeta do segundo milênio e
- em grande parte - exceção."