MUITO PRAZER, SOU LÚCIFER

"Eu vi Satanás caindo do céu como relâmpago” (Lucas 10, 18).

Pra quem não me conhece

Ou finge não me conhecer,

Deixe-me apresentar-me: Prazer,

Eu tenho muitos apelidos,

Chamam-me de mentiroso encardido,

Mas eu sou o Dragão, a Serpente Antiga,

Gosto de confusão, adoro uma briga,

Mas prefiro, antes de tudo, fazer amigo.

Eu fui criado um anjo servidor,

Mas nunca fui um acomodado,

Em crescer estive sempre empenhado,

Meu objetivo era subir mais e mais,

Permanecer inferior jamais,

Eu planejava ter meu próprio trono,

Ser de minha vida o único dono,

Estar à altura de Deus me sentia capaz.

Queria estar no mais alto do monte santo,

Acima de todas as nuvens, era meu plano,

Ser como o Altíssimo, meu projeto insano,

Mas nada é fácil para um guerreiro,

Por isso ele deve permanecer inteiro,

De suas ambições nunca desistir,

Mudar as estratégias quando convir

E preparar outro golpe certeiro.

Eu era um modelo de perfeição,

Tinha recebido de Deus muita sabedoria,

Eu tinha a beleza que um vaidoso invejaria,

Eu vivia enfeitado de pedras preciosas,

Minhas asas eram extremamente graciosas,

Recebera do Senhor a mais pura unção

Para ser no Éden um querubim guardião

E minhas mãos não eram preguiçosas.

Eu tinha acesso ao monte santo de Deus,

Por entre pedras fulgurantes eu caminhava,

Nenhuma culpa me atormentava,

Mas a ganância crescia em meu coração,

Queria mais do que tinha até então,

Eu me achava do criador o preferido,

Pensava ser entre os anjos o mais querido,

Mas enganado estava em minha reflexão.

Não pensei que seria tão humilhado,

Não sabia que seria traído pelo Senhor,

Achava que tinha Dele todo seu amor,

Mas quando soube que criara um mundo

E devotara ao homem um amor profundo,

Decidi contra Deus me rebelar,

Fiz um movimento para outros arrebanhar

E entre os anjos meu discurso foi fecundo.

À minha causa rebelde conquistei adeptos,

Anjos descontentes se juntaram a mim:

Serafins , potestades e até, querubins,

Então o Arcanjo Miguel e sua milícia

Vieram contra nós com poder de polícia,

Porém nós lhes impomos resistência

E lutamos com toda nossa potência,

Perdemos por conta de nossa imperícia.

Lutamos bravamente, mas não vencemos,

Fui expulso do céu juntamente com meus seguidores,

Aquela batalha era deles, saíram vencedores,

Mas a guerra estava longe de terminar,

Através dos séculos e séculos iria continuar,

Fui expulso, caí do céu como um raio,

Mas aquele foi somente um ensaio

E eu estava determinado o céu abalar.

No próximo ataque eu mudaria a estratégia

E a vitória consegui por competência,

Despertando na Mulher sua concupiscência,

Ela não resistiu aos meus argumentos

E comeu o fruto que traz conhecimentos,

Ainda a própria convenceu o marido

Sem que eu precisasse tomar partido,

Assim minha missão teve prosseguimento.

Outros homens tantos eu seduzi,

Mostrei a Deus que sua obra tinha defeito,

Mas foi então que me deparei com um eleito,

Certa vez os anjos fiéis se apresentaram a Deus,

Eu aproveitei a chance e me misturei aos seus,

O Senhor, minha presença estranhou

E de onde eu tinha vindo, Ele me questionou,

Respondi: Pela terra perambulo com os meus.

Deus sabia quem eu era e perguntou:

“Conhece um servo meu chamado Jó?”

Eu lembrei que o tinha visto uma vez só,

Deus firmou os olhos em mim e continuou:

“Como ele na terra, ninguém vislumbrou!

Íntegro, correto e sem maldade!

Ele é justo, sincero, amigo da verdade!

Um homem que sempre me honrou!”

Foi aí que expus meus argumentos:

Sim, Jó vive sob a tua proteção,

Ele é abençoado em qualquer ação,

Se dá muito bem em tudo que faz,

Junto à sua família, Jó vive em paz,

Mas aposto que se perdesse tudo

Não permaneceria para sempre mudo

E amaldiçoaria a Ti, esse bom rapaz.

E eu a provocar o criador prossegui:

Se Jó experimentasse um pouco do fel,

Logo deixaria de ser ter servo fiel,

E Deus aceitou o meu desafio,

Disse: “Deixe estar, pois nele confio!”

Com certeza queria me dar uma lição,

“Vou entregar tudo que possui em tuas mãos,

Mas nele você não tocará nenhum um fio”.

E comecei a trabalhar incansavelmente,

Tinha que provar a minha teoria

E fazer Jó ficar contra Sua Senhoria,

Ataquei seu rebanho, matei seu gado,

Não deixei de ferir nenhum empregado,

Ataquei Jó e sua família de todo jeito,

Mas seu amor a Deus era mesmo perfeito,

Ele não pecou, nem fez do Senhor o culpado.

Mas, para minha felicidade,

Poucos eram como esse servo leal,

A maioria não resistia ao mal,

Fácil se revoltavam contra o criador,

Bastava só um pouquinho de dor

Para eles gritarem e blasfemarem

E das coisas do Senhor se afastarem

Negando até mesmo o puro Amor.

Mas uma tarefa grande estava por vir,

Pois Deus então decidira ter um Filho,

Alguém que herdaria todo seu brilho

E seria luz para a humanidade

Mostrando-lhe o caminho da Verdade,

O Filho de Deus seria para todos salvação

E eu teria que fazê-lo cair em contradição,

Frustrando o seu Pai e a sua Vontade.

Trabalhei muito nesse sentido,

A princípio quis eliminá-lo ainda criança,

Não consegui, mas não perdi a esperança,

Lembro que me pus diante da gestante

Para devorá-lo quando no instante

Nascesse aquele que seria o Rei,

Infelizmente a grávida fugiu, eu falhei,

Mas outra oportunidade não tava distante.

Não conseguindo diretamente,

Tentaria através de meus admiradores:

Herodes e outros governadores,

Mas o menino incrivelmente sobreviveu

E por um tempo ele desapareceu,

Eu não precisava ter muita pressa,

Pois aquele que parte logo regressa

E foi justamente o que aconteceu.

Vou lhes contar o fato seguinte

Que ocorreu no início da sua missão:

Logo que Jesus foi batizado no Jordão

Decidiu ir para o deserto por quarenta dias,

Enfrentou tardes quentes e noites frias,

Ali ele permaneceu em completo jejum,

Não se alimentando de jeito algum,

Mas quando sentisse fome, eu agiria.

Usei meu conhecimento bíblico

Para tenta-lo com toda sagacidade,

Mostrei-lhe o que mais seduz a humanidade:

A comida, os reinos do mundo e o poder religioso,

Fiz isso em um ritual bem capcioso,

Mas ele rebateu também com a escritura

Sem em nenhum momento perder a compostura,

Percebi que ele não era nada ganancioso.

Mais uma vez mudaria a estratégia,

Outras pessoas, contra ele, envenenaria,

Em pouco tempo enfim, eu o derrotaria,

Mas não bastava contagiar os inimigos,

O sucesso estaria em contaminar os amigos,

Por Judas foi traído e por Pedro foi negado

E lá estava o Filho de Deus na cruz pregado,

Elevado no madeiro entre dois bandidos.

Eu sei que ele Ressuscitou Vitorioso,

Mas eu mostrei do que sou capaz:

Prendi, torturei e matei o Príncipe da Paz,

Minha guerra está mais que declarada,

Minha revolta contra Deus, escancarada

E não deixo de perseguir seus seguidores,

Mas aliam-se a mim os seus escarnecedores

Que têm sua Palavra como se fosse nada.

Eu continuo ativo e muito vivo,

A minha jornada só terá fim

Quando o Filho de Deus voltar enfim,

Por enquanto, por gerações e gerações,

Interfiro na obra de Deus, atrapalho suas ações,

Conquisto adeptos que geram fome e guerra,

São meus servidores fiéis a destruir a terra,

Ajudam-me a espalhar preconceitos e divisões.

(As informações usadas para compor este poema estão na Bíblia.)

Aberio Christe