ÚLTIMA CANÇÃO DO RIO PRETO (*)

Rio Preto que cantei um dia
Num verso feito de aurora.
Rio Preto das minhas lágrimas,
Dos meus doloridos traumas
(Mas também do amor primeiro
De beijos doces e castos),
Adeus! Eu já vou-me embora!

Vou partir para Melgaço.
Mas, meu umbigo vai ficar
Enterrado ao pé da árvore
Que meus sonhos embalou
De conquistar France Eunice -
A loira d'olhos de amêndoas,
Razão do meu suspirar.

Rio Preto da prima/vera
E outras paixões desenfreadas...
De beleza pura e mística
A inundar meu coração
De encantos e sortilégios,
De temores e mistérios,
Das primeiras namoradas!

Rio Preto das minhas lágrimas,
Não nego ser filho teu!
És berço da minha infância?
Nela compus os primeiros
Rabiscos de um velho poema
Sobre um amor platônico
Que o Tempo sempre escondeu.

Vou-me embora, vou-me embora,
Embora pra outras paragens.
Mas levo dentro do peito
Uma doce nostalgia
Das noites de lua cheia,
Das volumosas marés
Que te transbordam as margens!...

De tua paisagem noturna
(A gozar a majestade
Do solene quiririm)
Despeço-me... estou partindo
De ti... (... e será para sempre!...)
Mas deixo-te de lembrança
O aroma dessa saudade!

Rio Preto, tu és a vida!
Teu leito - fonte canora
Teus tesos - rotas de origem
Do meu sofrido passado!
Amo-te com a minha alma
Triste, e a despedir-me, digo:
Adeus!... Eu já vou-me embora!

 

Rio Preto, Melgaço, Pará, Brasil, 5 de Janeiro de 1993.

Composto por Jaime Adilton Marques de Araújo.
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CONTRAFACTUM: Em música vocal, contrafactum é a substituição de um texto por outro sem mudança significativa na melodia. Enquanto traduções de canções geralmente não constituem uma substituição de texto, exemplos de contrafacta incluem uma canção que já possui letra receber um novo poema. A prática do contrafactum, ou seja, a utilização de melodias anteriores em novas composições, remonta aos primórdios da poética e está amplamente documentada na lírica medieval.

 

(*) Contrafactum de "ÚLTIMA CANÇÃO DO BECO", poema de Manuel Bandeira.