CACOS DE VIDRO INCANDESCENTES
O pulmão chorava, como nunca fez antes.
Sua alma ardia de sofrimento, numa dor pra lá de triste.
Parecia que estava sendo rasgado, destroçado, esmigalhado.
Suas paredes não aguentavam mais.
Seu sangue não caminhava mais, se arrastava bêbado pelas veias
já puídas e vencidas, numa derrocada sem fim.
Dava vontade de chamar Deus pra briga,
de chamar Deus pra desforra.
Dava vontade de banir os anjos, a fé, o ar.
Chorava numa compulsão febril,
queria se desgarrar da vida, de tudo, mas não dava.
O respirar virou caminhar sobre cacos de vidro incandescentes,
virou uma agonia descabida, até quando, até quando?
Se desse, preferiria o gosto atroz do desamor,
o cheiro descabelado do desprezo,
a brisa desconsolada da ilusão,
o véu bizarro da saudade,
e nada mais.