Cantares de Solidão

CANTARES DE SOLIDÃO

Um sino toca ao longe:

é tarde no meu sertão

vento sopra ao contrário,

seca olho e plantação..

Tão longe o pensamento

Tão perto o violão

Toada na ora-pro-nobis

Rebento chegando então.

As beatas ligeiras

De rosário na mão

rezam ave-marias ,

em dia de procissão.

Sou homem assustado:

das sombras tenho receio

Vivo sempre acordado

faço da lua esteio.

Dizem que lobisomem

espreita a hora certeira

atras da serra vermelha

Para levar mulher solteira

Nessas paragens de sono

de silêncio e ventania

muita mulher morreu

A desafiar valentia

Tem jagunço de asfalto

rondando a terra da gente

Matam ,prendem rebelde

que desafia tenente.

Já nem tenho esperança,

foi tanta tarde amarela

tanta poeira na pele

tanta sêde maldita

tanto bezerro morto

tanto menino magrinho

tanta vida desfeita

No vale da terra do sino...

Minhas mãos calejadas

pegam balde e água no açude

Mulher aqui não falta

todo tempo parindo.

Terra de homem forte

Velho na rede dormindo

menina-moça sem dote

Moço sem dente sorrindo..

E o tempo que não passa

a redenção que não chega

O destino passa longe

E a sorte na contra-mão:

Um sino toca ao longe

nas tardes do meu sertão.

Marcia Tigani